Anônimo
O
PEREGRINO RUSSO
TRÊS RELATOS INÉDITOS
Tradução
Tito Kehl
M M V I I I
A todos os mestres, para retribuir e para transmitir.
INTRODUÇÃO
Poucos textos da espiritualidade
ortodoxa são tão populares no Ocidente como os Relatos
de um peregrino russo, tantas vezes traduzido em línguas europeias. O
manuscrito destes quatro Relatos
anônimos foi assinalado pela primeira vez por volta de 1860, nas mãos de uma
monja, filha espiritual do estaroste Ambroise de Optina. Ora, entre os
documentos do estaroste, achavam-se três outros Relatos
que foram publicados na Rússia em 1911, reeditados na Tchecoslováquia em 1933,
e incorporados aos quatro primeiros na primeira edição de conjunto do Peregrino, feita em Paris pela YMCA Press em
1948. São estes que apresentaremos aqui.
Estes três Relatos possuem um caráter mais abertamente didático dos que os
primeiros, É provável que tenham sido retocados e completados em Optina, este
celeiro espiritual da Rússia do século XIX para onde afluíam escritores,
filósofos, “buscadores de Deus”, aonde a tradição espiritual do Oriente cristão
tomava uma nova consciência de si mesma para responder às buscas e inquietações
que o pensamento ocidental introduzia então na Rússia. Uma parte dos três Relatos é constituída por respostas às
objeções de um intelectual, e instruções sistemáticas, verdadeiros pequenos
tratados, intercalam-se entre narrações e diálogos; se perdemos algo do
pitoresco, ganhamos em elucidação.
Trata-se com efeito de uma
apresentação bastante refletida da prece como invocação do Nome de Jesus. O
desenvolvimento, de tipo patrístico mais do que cartesiano, é feito em
“espiral” em torno de um eixo que podemos definir assim: a salvação pelo amor,
realizada na prece. “Não há limite para a misericórdia de Deus”, e todo o
problema para o homem consiste em saber acolher esta misericórdia que
transformará seu coração e fará germinar aí os “frutos do Espírito”.
O Quinto
Relato é primeiramente dedicado ao arrependimento, este grande retorno
da inteligência e do coração. O homem é fascinado pelo abismo, e a história do
cocheiro que se atira na água gelada, como a do homem que salta dentro de um
fosso, evocam um Dostoievski rústico e antecipam a exploração dos
“subterrâneos”. Apenas a relação consciente com Deus, nem que seja através da
mais humilde oração, nos libera da negação, permite ao Pai intervir e nos
proteger do caos (história do estaroste tentado). O pensamento se explicita num
verdadeiro tratado consagrado à penitência e que mostra o que é realmente o
pecado: decepção, separação, esquecimento.
Segue-se uma dupla iniciação à
“Oração de Jesus” A primeira, de caráter propriamente espiritual, é dada por um
monge grego vindo do Monte Athos[1].
As diversas palavras da prece – “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem
piedade de mim pecador” – são apresentadas com suas respectivas acentuações, e
descobrimos que a compreensão espiritual de cada uma constitui um dom do
espírito: a Prece de Jesus é o lugar dos carismas como, em São Paulo, a reunião
eucarística; sabemos que a invocação não tem outro objetivo senão o de
interiorizar a eucaristia.
A prece transforma a angústia em
confiança tranquila. Aquele que reza não precisa mais de um bode expiatório,
ele intercede por toda a humanidade que o Cristo reunificou[2].
E o episódio do desertor mostra que a oração reconcilia com os pais e com a
terra.
Vem então uma segunda iniciação, pelo
estudo dos fundamentos neo-testamentários da invocação, onde vemos, entre
outras coisas, como João e os Atos dos Apóstolos sublinham, dentro de uma
perspectiva pneumatológica, o mistério e o poder do Nome no qual Deus, em
Jesus, revela-se “aquele que liberta”.
O Sexto
Relato desenvolve sobre a força do Evangelho que faz desaparecer as
aparências demoníacas (história do francês). Depois, retomando a problemática
paulina da salvação, ele procura o lugar do homem na oração: é a frequência
desta, a humilde quantidade de um apelo no qual se oferece a fé (O segredo da salvação revelado pela prece perpétua).
A invocação é possível a todos,
podemos orar “em todos os momentos, em todas as circunstâncias e em todos os
lugares”, a prece pode acompanhar o trabalho intelectual mais absorvente, desde
que o façamos na presença do Rei.
Como o jejum, a invocação implica uma
antropologia unitária. O jejum deve levantar em nós a fome de Deus. A evocação
desperta o coração, pois “o coração do homem – dizia Nicolas Cabasilas – foi
criado como um cofre capaz de conter o próprio Deus”. Aquilo que,
definitivamente, impele o homem a rezar, é a exigência de ser, e o ser
revela-se comunhão. O homem encontra na prece, vale dizer na relação consciente
com Deus, a alegria de ser, esta “pleroforia” tão cara à espiritualidade oriental.
O homem é oração e um dos interlocutores do Peregrino, um monge veterano, podia
dizer, parafraseando santo Agostinho: “Reze e faça o que quiser” (O poder da prece).
O Sétimo
Relato é um elogio da vida contemplativa, mais especificamente sob sua
forma eremítica, onde reencontramos, em plena Europa moderna, a exigência
carismática do primeiro monaquismo. Uma polêmica vigorosa justifica, contra
todo moralismo utilitário, a gratuidade da adoração. O espiritual conduz uma
exploração pelos espaços interiores que ele nos deixa como um mapa. Seu exemplo
e sua irradiação designam, para além dos maiores sucessos político-sociais, o Reino que ultrapassa a história, a relativiza
e vivifica.
Este último Relato, o mais breve, é como os demais abundante em indicações
práticas: como conduzir-se na falta de um mestre espiritual; o que significa a
oração sem imagens; e o livro termina com o texto de uma sóbria e profunda
prece em intenção do próximo: em toda esta tradição, como sabemos, a fé
veiculada na oração deve frutificar em uma compaixão sem limites.
Olivier Clément
QUINTO RELATO
O
estaroste: Um ano se passou desde a última
vez que vi o peregrino, quando uma discreta batida à porta e uma voz suplicante
anunciaram-me a chegada deste irmão cheio de fervor. Entre, meu caro,
agradeçamos juntos a Deus por ter abençoado seus caminhos e por tê-lo trazido
de volta.
O
peregrino: Glória e agradecimentos ao Pai
Altíssimo por sua bondade em todas as coisas, que ele ordena como lhe apraz, e
sempre para o nosso bem, nós que somos peregrinos e estrangeiros numa terra
estranha. Eis-me aqui, pecador, que o deixei no último ano e que novamente,
pela graça de Deus, pensei valer a pena vê-lo e ouvir sua alegre acolhida. E
certamente, você espera de mim uma descrição completa da Cidade de Deus,
Jerusalém, pela qual minha alma padecia e para onde eu tinha a firme intenção
de me dirigir. Mas nossos desejos nem sempre se cumprem e foi o que aconteceu
no meu caso. Não é de espantar; como, pecador que sou, poderia me considerar
digno de pisar o solo sagrado no qual os pés divinos de Nosso Senhor Jesus
Cristo deixaram suas pegadas?
Você
se lembra, meu pai, que eu deixei este lugar no último ano acompanhado de um
velho homem surdo e que eu possuía uma carta de um negociante de Irkutsk para
seu filho em Odessa, pedindo-lhe que me enviasse a Jerusalém. Pois bem,
chegamos a Odessa sem problemas e em muito pouco tempo. Meu companheiro logo
adquiriu uma passagem num navio para Constantinopla e partiu. Quanto a mim, saí
a buscar o filho do comerciante conforme o endereço que constava na carta. Num
curto espaço de tempo encontrei a casa, mas lá fui surpreendido e entristeci-me
por saber que meu benfeitor já não era vivo. Ele havia falecido há três
semanas, após uma curta doença. Isto em muito me desencorajou, mas ainda
mantive a confiança no poder de Deus.
Toda
a casa estava de luto, e a viúva que permanecia com seus três filhos pequenos
achava-se em grande miséria, chorando todo o tempo e desfalecendo de tristeza
várias vezes ao dia. Sua angústia era tão grande que dizia-se que ela também
não viveria por muito mais tempo. No entanto, em meio a tudo isto, ela me
recebeu amavelmente, mas no estado em que se encontravam seus negócios ela não
pode me enviar a Jerusalém. Ela pediu-me que permanecesse com ela por cerca de
uma quinzena até que seu sogro viesse a Odessa, como ele havia prometido, para
colocar em ordem os negócios da infeliz família. Assim, fiquei. Uma semana se
passou, um mês, depois outro, mas, ao invés de vir, o negociante escreveu para
dizer que seus próprios negócios não lhe permitiam deslocar-se e aconselhava
sua nora a desfazer-se dos seus sócios e funcionários e viajar imediatamente a
Irkutsk. Começou a agitação da mudança e, como vi que já não podia ser útil,
agradeci sua hospitalidade e tomei meu caminho. Mais uma vez eu me vi errante
através da Rússia.
Eu
pensei e pensei. Para onde iria agora? No fim, decidi que antes de qualquer
coisa eu poderia bem ir a Kiev, que há anos não visitava. Assim eu me pus a
caminho. Naturalmente, eu me atormentava por não ter podido manter meu voto de
ir a Jerusalém, mas pensava, refletindo, que mesmo isto não poderia ter
acontecido sem a intervenção providencial de Deus e assim me tranquilizava,
esperando que Deus que ama os homens aceitaria minha intenção pelo ato e não
deixaria minha viagem ser interrompida sem uma edificação espiritual. E assim
foi, pois eu encontrei pessoas que me mostraram muitas coisas que eu não sabia
e que, para minha salvação, iluminaram minha alma obscurecida. Se a necessidade
não houvesse me obrigado a esta viagem, eu não teria encontrado estes
benfeitores espirituais.
Eu
seguia durante o dia com a oração, e ao entardecer, quando me detinha esperando
a noite, eu lia a minha Filocalia para reafirmar e estimular minha alma na luta
contra os invisíveis inimigos da salvação.
A
meio caminho, cerca de sessenta e quatro verstas[3] de Odessa, fui testemunha de uma coisa
surpreendente. Havia um longo comboio de carroças carregadas de mercadorias;
seriam no mínimo trinta. Passei por elas. O primeiro condutor, chefe da fila,
caminhava ao lado do seu cavalo e os demais seguiam em grupo a certa distância.
A estrada acompanhava uma represa alimentada por um córrego, e o gelo que
derretia sob a primavera ficava à deriva e acumulava-se nas margens com um
barulho terrível. De súbito, o condutor chefe, um homem jovem, deteve seu
cavalo e logo toda a fila parou também. Os outros condutores correram para ele,
viram que ele começava a se despir e lhe perguntaram o porquê. Ele lhes respondeu
que tinha grande desejo de banhar-se na represa. Alguns, espantados, começaram
a rir-se dele, outros começaram a repreendê-lo tratando-o como louco e o mais
velho, seu próprio irmão, tentou impedi-lo empurrando-o para fazê-lo partir; o
outro se defendia e se recusava a fazer o que lhe era dito. Alguns dos jovens
condutores, tomando água da represa nos baldes que usavam para dessedentar os
cavalos, jogaram-na para satisfazer o homem
que desejava banhar-se, tanto sobre a cabeça como sobre as costas, dizendo:
“Aí está, somos nós que vamos banhá-lo.” Assim que a água tocou seu corpo, ele
gritou: “Ah, isto é bom!” Ele sentou-se no chão e eles continuaram a lhe jogar
água. Depois, rapidamente, ele se deitou e morreu. Todos foram tomados de
pavor, sem compreender porque aquilo havia acontecido.
Eu
permaneci com eles cerca de uma hora, depois retomei meu caminho. Mais ou menos
a cinco verstas adiante, vi uma aldeia junto à estrada, e entrando nela
encontrei um velho sacerdote que seguia pela rua. Pensei em contar-lhe o que
acabara de ver para perguntar-lhe o que pensar disto. O sacerdote conduziu-me à
sua casa, e eu contei-lhe a história, pedindo-o que me explicasse a causa de
tal evento.
-
Nada posso
dizer-lhe, caro irmão, exceto talvez isto: que existem na natureza muitas
coisas espantosas que não podemos conhecer. Isto, penso eu, foi disposto por
Deus que mostra com mais clareza aos homens seu poder e sua intervenção
providenciais na natureza, produzindo às vezes nas próprias leis destas
alterações anormais e súbitas. Uma vez fui testemunha de um caso desses. Perto
de nossa aldeia existe uma ravina profunda e abrupta, não muito larga, mas com
setenta pés ou mais de profundidade. Dá medo olhar seu fundo escuro. Sobre ela
foi construída uma passarela. Um homem de minha paróquia, pai de família muito
respeitado, foi subitamente tomado, sem nenhuma razão, do irresistível desejo
de atirar-se do alto desta pequena ponte para as profundezas da ravina. Ele
lutou contra esta ideia e resistiu ao impulso durante uma semana. No fim, já
não lhe foi mais possível conter-se. Ele levantou-se de manhã, saiu
precipitadamente e atirou-se no vazio. Logo ouvimos seus gemidos e com grandes
esforços o tiramos do abismo; ele tinha as pernas quebradas. Quando lhe
perguntamos a razão de sua queda, ele respondeu que apesar do grande sofrimento
que experimentava agora, tinha o espírito em paz por haver cumprido o
irresistível desejo que o havia obcecado durante uma semana, e pelo qual
arriscara sua vida.
Ele
passou um ano inteiro no hospital até curar-se. Eu ia vê-lo e muitas vezes
encontrava os médicos ao seu redor. Como você, eu queria saber deles a causa do
ocorrido. Os médicos respondiam unanimemente que se tratava de um “frenesi”.
Quando eu lhes pedia uma explicação científica do que era isto, nada mais
conseguia arrancar deles, senão que se tratava de um desses segredos da
natureza inacessíveis à ciência. Quanto a mim, pensava que se, em presença de
um destes mistérios da natureza, a pessoa se pusesse a orar a Deus e a pedir
conselho a homens espirituais, este irresistível “frenesi”, como diziam os
médicos, não poderia de modo algum triunfar.
Em
realidade, encontramos na vida humana muitas coisas das quais não conseguimos
ter uma compreensão clara.
Enquanto
conversávamos, escureceu e acabei passando a noite ali. No dia seguinte pela
manhã, o prefeito enviou seu secretário para pedir ao sacerdote que enterrasse
o morto no cemitério e para dizer que os médicos, depois da autópsia, não
encontraram nenhum sinal de loucura e declararam que a morte fora devida a um
ataque súbito.
-
Como você vê,
disse-me o sacerdote, a ciência médica não pode fornecer nenhuma razão precisa
para este incontrolável impulso para a água.
E
assim despedi-me do sacerdote e retomei meu caminho. Após haver viajado por
muitos dias, e sentindo-me muito fatigado, cheguei a uma cidade comercial
bastante importante chamada Bielaia Tserkov. Como já se aproximava o
crepúsculo, pus-me a procurar um alojamento para passar a noite. No mercado, encontrei um homem que parecia
ser também um viajante. Ele perguntava nas lojas pelo endereço de uma pessoa
que vivia nos arredores. Quando me viu, veio até mim e disse:
-
Você parece ser
também um peregrino. Tentemos juntos encontrar um homem chamado Evreinov que
mora nesta cidade. É um bom cristão, ele mantém um esplêndido albergue e acolhe
muito bem os peregrinos. Veja, eu tenho aqui algo escrito a seu respeito.
Aceitei
com alegria, e logo encontramos a casa. Embora o proprietário não estivesse,
sua esposa, uma boa senhora, nos recebeu amavelmente e nos ofereceu, sobre o
celeiro, uma mansarda separada para repousarmos.
Meu
companheiro disse-me que era comerciante em Moghilev, e que havia passado dois
anos na Bessarábia como noviço num mosteiro, mas apenas com passaporte
temporário. Ele agora estava retornando o caminho para obter da corporação dos
comerciantes o consentimento para sua entrada definitiva na vida monástica.
-
Aqueles
mosteiros, sua constituição, sua ordem e a vida estrita dos numerosos e
piedosos startsi[4] que aí vivem me agrada sobremaneira.
Ele
assegurou-me que os mosteiros da Bessarábia, ao lado daqueles da Rússia, eram
como o Paraíso comparado com a terra, e incentivou-me a acompanhá-lo.
Enquanto
falamos sobre estas coisas, chegou um terceiro hóspede em nosso quarto. Era um
sub-oficial que voltava para casa de licença. Vimos que ele estava esgotado
pela viagem. Dissemos juntos nossas orações e nos deitamos para dormir. No dia
seguinte de manhãzinha já estávamos todos de pé e nos preparando para retomar o
caminho; já íamos agradecer aos nossos anfitriões, quando ouvimos soarem os
sinos das matinais. O comerciante e eu nos perguntamos o que fazer: como
partir, tendo ouvindo os sinos, sem antes irmos à igreja? Era preferível
aguardar e dizermos nossas preces na igreja, após o que poderíamos partir
alegremente.
Tendo
tomado esta decisão, fomos chamar o sub-oficial. Mas ele nos disse:
-
O que significa
ir à igreja quando se viaja? Que importa a Deus se vamos ou não? Partamos, e
depois diremos nossas orações. Vão vocês, se quiserem, não eu. No tempo que
vocês vão passar nas matinais, eu estarei a cinco verstas daqui ou quase, e
quero chegar em casa o quanto antes.
Diante
disto, o comerciante respondeu:
-
Irmão, não corra
tanto com seus projetos sem antes saber quais são as intenções de Deus!
E assim
fomos à igreja, enquanto ele tomava seu caminho.
Ficamos
durante as matinais e durante a Liturgia [eucarística]. Depois regressamos à
nossa mansarda para preparar nossos apetrechos e partir; mas, que vimos então?
Nossa anfitriã, carregando um samovar.
-
Aonde vão vocês?,
disse ela, precisamos tomar uma taça de chá. E também farão o desjejum conosco.
Não podemos deixá-los partir famintos.
Ficamos,
portanto. E não fazia meia hora que estávamos sentados ao redor do samovar,
quando chegou nosso sub-oficial correndo e ofegante:
-
Chego a vocês
com dor e alegria ao mesmo tempo!, disse ele.
-
O que
aconteceu?, perguntamos nós.
-
Depois que eu os
deixei e parti, veio-me a ideia de ir ao café para obter algumas moedas
trocadas e ao mesmo tempo comer alguma coisa para melhor enfrentar o caminho.
Para lá me dirigi; troquei meu dinheiro, comi alguma coisa e parti como um
passarinho. Quando já havia caminhado cerca de três verstas, resolvi contar as
moedas que o homem o café me dera. Sentei-me à beira do caminho, saquei minha
carteira e tranquilamente examinei seu conteúdo. Subitamente descobri que meu
passaporte não estava ali: havia apenas o dinheiro e alguns papéis. Fui tomado
de pânico, como se houvesse perdido a cabeça! Num relance, vi tudo o que havia
se passado: naturalmente, eu o deixara cair enquanto pagava o café. Era preciso
voltar correndo: e eu corri e corri! Outra ideia temível me ocorreu: e se ele
não estivesse lá! Seria um enorme problema! Precipitei-me para o homem do
balcão e indaguei-o, mas ele nada vira.
Fiquei
desesperado! Então, comecei a refazer todo o meu caminho e a procurar por toda
parte, por onde andara, por onde estivera e – acreditem! – tive a sorte de
encontrar meu passaporte. Lá estava ele, ainda dobrado, no chão entre a palha e
a poeira, pisado no meio da sujeira. Graças a Deus! Eu estava tão feliz, é como
se uma montanha tivesse sido tirada de minhas costas. É claro, o passaporte
estava sujo e coberto de terra, vai valer-me um safanão, mas isso não importa.
Em todo caso, já posso voltar para casa e relembrar meu berço querido. Mas eu
quis vir aqui para contar-lhes. E o que é melhor é que, à custa de correr em
meu desespero, tenho os pés em carne viva e mal consigo andar. Assim, vim
também pedir alguma pomada para fazer um curativo.
-
Eis aí, meu irmão,
disse o comerciante, o que aconteceu porque você não quis nos escutar e vir
conosco à igreja. Você queria tomar uma grande dianteira sobre nós e, ao
contrário, ei-lo aqui de volta, e ainda por cima estropiado. Bem que eu lhe
disse para não correr tão afoito atrás dos seus planos. Veja agora aonde você
está. Não custava nada ter ido conosco à igreja, mas você disse: “Que diferença
faz a Deus que rezemos?” Foi aí, caro irmão, que você errou.
Naturalmente,
Deus não tem necessidade de nossas preces de pecadores, mas apesar de tudo, ele
gosta que rezemos. O que lhe agrada, é não só a oração que o próprio Espírito
Santo eleva em nós e nos ajuda a oferecer, mas cada impulso, cada pensamento
oferecido em sua glória. Em troca, a misericórdia infinita de Deus oferece
recompensas generosas. O amor de Deus prodigaliza a graça mil vezes mais do que
o merecem as ações humanas. Se você lhe der o menor trocado, ele retornará a
você em ouro. Se você simplesmente se propuser a ir ao encontro do Pai, ele
virá ao seu encontro. Diga apenas uma palavra breve, ainda que sem convicção:
“Receba-me, tem piedade de mim”, e ele correrá a abraçá-lo. Eis como o Pai
celeste nos ama, por indignos que sejamos. E simplesmente devido a este amor,
ele se alegra com cada passo que damos, ainda que pequeno, na direção da
salvação. Mas você pensou: “Que glória poderá haver aí para Deus? Que vantagem
há para nós, se apenas rezamos um pouco e logo deixamos nossos pensamentos
errarem por aí novamente, ou se ao contrário nos empenhamos no bem, como dizer
uma prece com cinco ou seis inclinações, ou soltar um suspiro sincero ao
invocar o nome de Jesus, ou ainda prestar atenção a um bom pensamento, dedicar
um tempo a uma leitura espiritual, abstermo-nos de comida, suportar em silêncio
uma afronta?” Tudo isso não lhe parece bastar para a sua salvação, e parece
inútil a você praticá-lo. Não! Nenhum destes atos humildes é feito em vão.
Deus, que tudo vê, levará isto em conta e o recompensará nesta vida. São João
Crisóstomo afirma: “Nenhum bem, de nenhum tipo, por insignificante que seja,
será desdenhado no Juízo equânime. Se os pecados devem ser buscados com tal
minúcia que prestaremos conta de cada palavra, desejo ou pensamento, quanto
mais os bons atos, por mínimos que sejam, serão tomados em consideração e
contarão diante de nosso Juiz cheio de amor!”
Eu
vou contar-lhes um caso que testemunhei no ano passado. No mosteiro da
Bessarábia em que eu vivia, havia um estaroste, monge de vida santa. Um dia ele
foi assaltado por uma tentação: sentiu um grande apetite por peixe seco. Mas,
como era impossível que houvesse no mosteiro nesta época, ele concebeu a ideia
de ir buscar no mercado. Ele lutou contra esta ideia durante muito tempo, e
controlava-se pensando que um monge deve satisfazer-se com o que é preparado para
todos os irmãos e que ele deve, por todos os meios, evitar as tentações. Por
outro lado, percorrer o mercado no meio da multidão seria para um monge uma
fonte de tentações, além de inconveniente. Mas no final, as mentiras do inimigo
prevaleceram sobre suas objeções e ele, cedendo ao seu desejo, decidiu-se a
partir para procurar o peixe.
Depois
de ter deixado o mosteiro e enquanto caminhava pela rua, ele percebeu que não
tinha seu terço à mão, e se pôs a pensar: “Irei eu como um soldado sem sua
espada?” Ele se preparava para voltar a buscá-lo quando, procurando em sua
bolsa, achou-o. Ele o tirou, fez o sinal da cruz e, de terço à mão, foi-se
calmamente. Quando se aproximava do mercado, viu um cavalo parado diante de uma
loja, atrelado a uma carroça carregada de enormes barris. De repente este
cavalo, assustando-se com sabe-se lá o que, arrancou bruscamente e atropelou o
monge, atingindo-o nas costas e atirando-o ao chão mas sem fazer-lhe grande
mal. Em seguida, a dois passos dele, a carga inclinou-se e a carroça se fez em
pedaços. Ele ergueu-se prontamente e, ao passar o susto, maravilhou-se pelo
modo como Deus poupara sua vida, pois se a carga houvesse tombado meio segundo
antes, ele teria sido esmagado como a carroça. Sem pensar mais, ele adquiriu
seu peixe, voltou ao mosteiro, comeu-o, disse suas orações e deitou-se para
dormir.
Mal
havia adormecido, e em sonhos um estaroste de aspecto indulgente, que ele não
conhecia, apareceu-lhe e disse:
“Eu
sou o protetor desta casa e desejo instruí-lo para que você compreenda e se
lembre da lição que lhe foi dada. Veja: sua falta de esforço contra o
pensamento do prazer, e sua preguiça em discerni-lo e dominá-lo deram ao
Inimigo a chance para atacá-lo. Ele havia preparado o desastre para você. Mas
seu anjo guardião pressentiu-o e lhe sugeriu oferecer uma prece e lembrar-se do
terço. Como você escutou esta sugestão e a pôs em prática, isto salvou-o da
morte. Veja portanto o amor de Deus pelos homens, e sua generosa recompensa ao
menor olhar que lhe voltamos.”
Dizendo
estas palavras, o estaroste da visão desapareceu rapidamente da cela. O monge
ajoelhou-se e, ao fazê-lo, acordou, encontrando-se não sobre seu leito, mais de
joelhos, prosternado no umbral da porta. Ele contou a história de sua visão em
benefício espiritual de muitos, inclusive meu próprio.
O
amor de Deus verdadeiramente não tem limites para conosco, os pecadores. Não é
maravilhoso que um ato tão pequeno – não mais do que tirar o terço da bolsa,
tomá-lo nas mãos e invocar uma vez o nome de Deus – tenha podido salvar a vida
de um homem, e que na balança do Juízo, um só curto momento de invocação de
Jesus possa compensar numerosas horas de preguiça? Na verdade, eis o pagamento
em ouro em troca de uma mísera moeda. Veja, irmão, o poder da oração e do nome
de Jesus, quando o invocamos. João de Carpathos, na Filocalia, diz que quando, na prece de Jesus, invocamos o
santo Nome e dizemos: “Tem piedade de mim pecador”, a cada apelo a voz de Deus
responde em segredo: “Meu filho, seus pecados estão perdoados.” E ele acrescenta
que, no momento em que dizemos a oração, nada nos distingue dos santos, dos
confessores e dos mártires. Pois, diz são João Crisóstomo, “por mais cobertos
de pecados que sejamos, quando pronunciamos a oração, ela nos purifica de imediato. A misericórdia de Deus para conosco
é grande, embora nós, os pecadores, sejamos descuidados, embora sequer lhe
dediquemos uma hora em agradecimento e troquemos pelos negócios e o dia-a-dia a
oração que tem mais importância do que todo o resto, esquecendo-nos de Deus e
de nosso dever. É por isso que muitas vezes rejeitamos as dores e as
calamidades que o Amor infinito da Providência divina utiliza também para nossa
edificação e para elevar nossos corações para Deus.
Quando
o mercador terminou de falar ao suboficial, eu lhe disse:
-
Que alívio você
trouxe também à minha alma pecadora! Eu me prosternaria de bom grado aos seus
pés!
Ouvindo
estas palavras, ele voltou-se para mim e disse:
-
Você parece
gostar bastante de histórias religiosas. Espere, eu vou ler-lhe outra semelhante
a esta que contei. Eu tenho aqui um livro com o qual eu viajo, intitulado Agapia, ou A Salvação dos pecadores. Há aí uma grande quantidade de coisas
interessantes.
Ele
tirou o volume de sua bolsa e começou a ler uma magnífica história a respeito
de Agatônico, a quem desde a infância os piedosos pais ensinaram a dizer
diariamente, diante do ícone da Mãe de Deus, a prece que inicia com “Alegra-te,
Virgem que esperas Deus.” Assim ele o fez todos os dias. Mais tarde, tendo
crescido, ele se deixou absorver pelos negócios e pela agitação da vida, e
começou a dizer a oração cada vez mais raramente, terminando por abandoná-la.
Um
dia, ele abrigou para que passasse a noite um peregrino que lhe disse ser um
eremita de Tebaida e que tivera uma visão na qual recebera ordem de procurar um
certo Agatônico e repreendê-lo por haver abandonado a oração à Mãe de Deus.
Agatônico desculpou-se dizendo que ele havia repetido a prece por anos a fio
sem obter nenhum resultado. O eremita então lhe disse:
“Lembre-se,
cego e ingrato, quantas vezes esta oração o ajudou e o salvou do desastre.
Lembra-se como, na sua juventude, você foi milagrosamente salvo de um
afogamento? E quando uma epidemia levou tantos amigos seus, enquanto você
conservou a saúde? Lembra-se da vez em que, levando um amigo, a carroça virou?
Ele quebrou a perna, mas você saiu ileso. Não sabe você que um conhecido seu,
jovem e forte, está estendido, doente e fraco, enquanto você goza de boa
saúde?”
Ele
recordou a Agatônico muitas outras coisas. Para terminar, disse-lhe:
“Saiba
então que todas estas penas foram afastadas de você pela proteção da santíssima
Mãe de Deus, graças a esta curta prece que, a cada dia, unia o seu coração a
Deus. Tome cuidado daqui para frente, retome-a e não abandone mais o louvor à
Rainha dos céus, para que ela não o esqueça.”
Quando
ele terminou de ler, fomos chamados para o almoço, após o qual, com as forças
renovadas, agradecemos nossos anfitriões e tomamos nosso caminho. Depois nos
separamos, e cada qual foi para o seu lado, como melhor lhe parecesse.
***
Caminhei
durante quase cinco dias, reconfortado pelas histórias que ouvira do bom
mercador de Bielaia Tserkov, e já me aproximava de Kiev. Porém de repente, sem
nenhuma razão, comecei a sentir-me triste e pesado, e meus pensamentos se
encheram de opacidade e desencorajamento. A oração vinha-me penosamente e uma
espécie de indolência tomava conta de mim. Vendo adiante um bosque guarnecido
de espessos arbustos à beira do caminho, nele entrei para repousar um pouco,
buscando um lugar apartado aonde eu pudesse me sentar e ler a Filocalia, a fim de elevar meu espírito enfraquecido e
combater minha preguiça. Encontrei um local tranquilo e comecei a ler Cassiano
o Romano[5], na quarta parte da Filocalia, sobre os Oito Pensamentos de Evagro. Já estava lendo com prazer há cerca de
meia hora quando percebi inesperadamente a silhueta de um homem a uns cem
metros de mim, mais para o interior da floresta. Ele estava imóvel, ajoelhado.
Eu fiquei feliz em vê-lo, pois concluí que ele rezava, e voltei à minha
leitura. Continuei a ler por uma hora ou mais, e olhei outra vez para ele. O
homem continuava lá, sempre ajoelhado e sem o menor movimento. Fiquei muito
emocionado e pensei: “Como existem fiéis servidores de Deus!”
Enquanto
eu refletia sobre isto, subitamente o homem caiu por terra e ficou estendido
calmamente. Fiquei surpreendido e como não havia visto seu rosto, pois ele
estava de costas para mim quando ajoelhado, senti-me curioso para avançar e ver
quem era. Tratava-se de um jovem camponês, com cerca de vinte e cinco anos. Ele
tinha o rosto simpático, bom aspecto, mas muito pálido. Estava vestido com um
caftan comum, com uma corda de fibra de tília à guisa de cinto. Nada mais havia
de especial nele. Ele não possuía embornal, nem sequer bastão. O ruído de minha
aproximação acordou-o e ele se levantou. Eu lhe perguntei quem era; ele me
disse que era originário da província de Smolensk e que vinha de Kiev.
-
E para onde vai
agora?, perguntei-lhe.
-
Nem mesmo eu o
sei; para onde me conduza Deus, respondeu.
-
Faz tempo que
você deixou sua casa?
-
Sim, perto de
quatro anos.
-
Aonde você viveu
por todo este tempo?
-
Eu andei de
santuário em santuário, pelos mosteiros e as igrejas. Minha casa já não fazia
sentido para mim. Sou órfão e não tenho parentes. Além disso, tenho um pé
torto. Assim, sigo errando pelo mundo.
-
Alguém que temia
a Deus, ao que parece, ensinou-o a não vagar por não importa onde, mas a
visitar os lugares santos, disse-lhe eu.
-
Pois bem, veja
você, respondeu ele; não tendo pai nem mãe, desde criança cresci no meio dos
pastores, e fui feliz até a idade de dez anos. Depois, um dia, eu conduzi o
rebanho de volta para casa, sem perceber que a melhor ovelha estava faltando.
Nosso patrão era um homem duro e desumano. Quando ele chegou ao entardecer e
viu que sua ovelha tinha-se perdido, ele atirou-se sobre mim com injúrias e
ameaças. Ele jurou que, se eu não a encontrasse, ele me bateria até a morte e
ainda quebraria meus braços e pernas. Sabendo o quanto ele era cruel, eu parti
em busca da ovelha, voltando aos lugares aonde ela havia pastado durante o dia.
Eu procurei e procurei por mais de metade da noite, mas não encontrei nem traço
seu em parte alguma. Era uma noite muito escura, também, pois aproximava-se o
outono. Quando eu estava mais profundamente enfiado dentro da floresta – e, em
nossa província as florestas são imensas – ergueu-se subitamente uma
tempestade. Era como se as árvores vacilassem. Ao longe os lobos puseram-se a
uivar. Fui presa de enorme terror, a ponto de meus cabelos eriçarem-se sobre
minha cabeça Tudo se tornava mais e mais apavorante, a tal ponto que pensei em
desfalecer de pânico e horror. Então caí de joelhos e fiz o sinal da cruz; e,
com todo meu coração, disse: “Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim!”
Mal
acabara de dizer estas palavras e senti-me inteiramente em paz, como se não
tivesse tido o menor contratempo. Todo o meu medo desapareceu e eu senti o
coração alegre, como se eu tivesse sido transportado aos céus. Eu estava cheio
de felicidade, mas veja, não parava um instante de dizer a oração. Ainda hoje
não sei quanto tempo durou a tempestade, nem como passei o resto da noite. Vi
chegar o dia e ali estava eu, ajoelhado no mesmo lugar. Levantei-me calmamente,
compreendi que jamais encontraria a ovelha, e comecei a retornar à sede. Mas
tudo ia bem em meu coração e eu repetia a prece para contentamento do coração.
Assim que eu cheguei à aldeia, o patrão viu que não trouxera a ovelha e me
bateu até que eu fiquei meio morto; ele quebrou-me este pé, como você pode ver.
Depois deste castigo, eu fiquei deitado, quase sem poder me mover, durante seis
semanas. Tudo o que eu sabia era que eu recitava a oração e que ela me
reconfortava. Quando me senti um pouco melhor, passei a vagar pelo mundo, e
como não me interessava o acotovelamento das multidões, que além disso
propiciam ocasião para muitos pecados, tomei a decisão de ir de um lugar santo
a outro, e sempre pelo interior das florestas. Eis como se passaram já quase
cinco anos.
Quando
ouvi este relato, meu coração encheu-se de alegria porque Deus julgou-me digno
de encontrar um homem tão bom, e perguntei-lhe:
-
E você ainda
utiliza a oração até hoje?
-
Eu não poderia
viver sem ela, respondeu ele. Veja, cada vez que eu rememoro como caí de
joelhos pela primeira vez dentro daquela floresta, é como se alguém me
empurrasse de novo de joelhos, e eu começo a rezar. Eu não sei se a minha
humilde oração agrada ou não a Deus. Pois, ao rezar, às vezes sinto uma grande
felicidade, como que uma leveza da alma, uma espécie de alegre plenitude; mas
em outras ocasiões, sinto um peso triste e um enfraquecimento espiritual.
Apesar de tudo, meu desejo é de continuar orando, até a morte.
-
Não fique
aflito, meu querido irmão. Tudo agrada a Deus e serve à nossa salvação – tudo,
sem exceção, das coisas que sobrevêm durante a prece. É o que dizem os santos
Padres. Seja a leveza ou a pesandez do coração, tudo está certo. Nenhuma prece,
boa ou ruim, é insuficiente aos olhos de Deus. Leveza, calor e alegria mostram-nos
que Deus nos recompensa e nos consola do esforço, enquanto que o peso, a
obscuridade e a secura significam que Deus purifica e fortifica a alma, e com
esta prova salutar a salva, preparando-a na humildade para as alegrias do
porvir. Como testemunho disto, vou ler-lhe algo que foi escrito por são João
Clímaco.
Encontrei
a passagem e a li. Ele escutou-a com atenção e alegrou-se. Depois agradeceu-me
muito, e nos despedimos. Ele partiu diretamente para as profundezas da floresta
e eu retomei meu caminho. Continuei em minha rota, agradecendo a Deus por
haver-me considerado, pecador que sou, digno de receber tal ensinamento.
No
dia seguinte, com a ajuda de Deus, cheguei a Kiev. A primeira e principal coisa
que eu desejava fazer era jejuar um pouco, confessar e comungar nesta santa
cidade.
Fiquei
hospedado perto dos Santos[6], porque era mais cômodo para ir à igreja. Um bom
ancião cossaco acolheu-me e, como vivia só em sua cabana, ali encontrei tranquilidade.
Durante a semana na qual me preparava para fazer a confissão veio-me a ideia de
fazê-la o mais detalhada possível. Pus-me então a rememorar e examinar todos os
meus pecados desde a minha juventude, com toda precisão, e, para não omitir
nada, escrevi tudo o que pude lembrar nos menores detalhes. Assim enchi toda
uma folha de papel.
Fiquei
sabendo que em Kitaevaya Poustina, a cerca de sete verstas de Kiev, havia um
sacerdote de vida ascética e grande discernimento. Quem se confessava com ele
encontrava uma atmosfera de terna compaixão e levava um ensinamento para a
salvação e a paz da alma. Fiquei contente por saber disso e parti imediatamente
para ir até ele. Solicitei sua assistência e conversamos por alguns momentos, e
depois estendi-lhe a minha folha de papel. Ele a leu inteiramente e me disse:
-
Meu caro, uma
grande parte do que você escreveu aqui é totalmente fútil. Escute. Em primeiro
lugar, não confesse pecados dos quais você já se arrependeu e que lhe foram
perdoados. Não volte a eles, pois isto equivaleria a colocar em dúvida o
sacramento da penitência. Depois, não traga para a sua lembrança as outras
pessoas que estiveram associadas aos seus pecados: julgue apenas a você mesmo.
Em terceiro lugar, os santos Padres nos proíbem de mencionar todas as
circunstâncias dos pecados, e nos mandam confessá-los em termos gerais, de modo
a afastar a tentação tanto de nós mesmos como do confessor. Em quarto lugar,
você veio para se arrepender, mas não se arrepende por não saber arrepender-se
– vale dizer, sua penitência é tíbia e negligente. Em quinto lugar, você se
estendeu sobre todos esses detalhes, mas não se deu conta do mais importante:
você não expôs o pecado mais grave de todos! Você não confessou nem escreveu
que você não ama a Deus, que você odeia seu próximo, que você não crê no Verbo
de Deus e que você não passa de puro orgulho e ambição. O mal está enraizado
nestes quatro pecados, nos quais reside toda nossa depravação espiritual. Eles
são as raízes mestras de onde nascem os brotos de todos os pecados diante dos
quais sucumbimos.
Fiquei
muito surpreso de ouvir isto, e disse:
-
Perdoe-me, Pai,
mas como é possível não amar a Deus, nosso Criador e nosso Salvador? No que
iremos crer, senão no Verbo de Deus, onde está toda a verdade e toda a
santidade? Eu desejo o bem de todos os meus semelhantes, porque os odiaria? Eu
não tenho nada de que me orgulhar; de fato, cheio de inumeráveis pecados, nada
tenho que mereça ser louvado e ninguém pode invejar minha pobreza e minha saúde
débil. Ora bem, se eu fosse um homem instruído e rico, então sim eu seria
culpado das coisas das quais me fala.
-
É uma pena, meu
caro, que você tenha compreendido tão pouco daquilo que lhe disse. Mas,
vejamos! Você aprenderá mais depressa se eu lhe der estas anotações. Eu me
sirvo dela para minhas próprias confissões. Leia-as do começo ao fim, e você
verá com clareza a prova exata do que eu lhe disse agora.
Ele
me deu as anotações e eu as li. Ei-las a seguir.
***
UMA CONFISSÃO QUE CONDUZ
O HOMEM INTERIOR À HUMILDADE
Voltando atentamente meu olhar sobre
mim mesmo e examinando as disposições da minha consciência, verifiquei por
experiência própria que eu não amo a Deus, que eu não amo meus semelhantes, que
eu não tenho fé e que eu sou um poço de orgulho e cupidez. Tudo isto, eu
encontrei realmente em mim mesmo, depois de um exame detalhado dos meus
sentimentos e de minha consciência. Assim é que:
Eu
não amo a Deus, pois se eu amasse a Deus eu pensaria continuamente nele com
uma alegria profunda. Cada pensamento de Deus me encheria de prazer e delícias.
Ao contrário, com muito mais frequência e ardor, eu penso nas coisas do mundo,
e pensar em Deus é para mim um árduo e árido trabalho. Se eu amasse a Deus,
falar com ele na oração seria meu alimento e minha felicidade e me arrastaria
numa comunhão ininterrupta com ele. Mas ao contrário, não só eu não encontro
nenhum gosto na prece, como ainda orar exige de mim um esforço. Eu luto
relutantemente, eu estou enfraquecido pela preguiça, e estou pronto a me
envolver com não importa qual bagatela sem importância, encurtando minhas
orações e me desviando do caminho. Meu tempo voa com as ocupações fúteis, mas
quando estou ocupado com Deus, quando me ponho em sua presença, cada hora me
parece um ano. Alguém que ama pensa no amado o dia inteiro sem parar, forma
imagens dele para si, preocupa-se com ele e em nenhuma circunstância o ser
amado deixa os seus pensamentos. Quanto a mim, de minha parte, se de todo um
dia eu reservo uma hora para mergulhar na lembrança de Deus, para inflamar por
ele meu coração, vinte e três horas eu me apresso a abandonar em ferventes
oferendas aos ídolos de minhas paixões.
Eu não quero outra coisa do que falar
sobre assuntos frívolos e sobre coisas que degradam a alma; isto me dá prazer.
Mas quando se trata de meditar sobre Deus, é a aridez, o aborrecimento e a
preguiça. Mesmo quando sou involuntariamente conduzido por outro a temas
espirituais, esforço-me para mudar de assunto até que a conversa convenha aos
meus interesses. Sou um curioso insaciável das novidades e dos eventos
políticos; procuro ardentemente satisfazer meu amor pelos conhecimentos da
ciência e das artes. Mas o estudo das Leis de Deus, o conhecimento de Deus e da
fé pouco me atraem e não respondem por nenhuma necessidade de minha alma. Não
apenas considero-os como ocupação não essencial para um cristão, mas ainda,
conforme a ocasião, como uma espécie de supérfluo com o qual me ocupo eventualmente
em meu lazer, nas horas vagas. Definitivamente, se reconheço o amor a Deus como
baseado na observação dos mandamentos – “Se vocês me amam, observem meus
mandamentos”, disse Nosso Senhor Jesus Cristo – não apenas eu não os observo,
como pouco me esforço por fazê-lo, e de tudo isso, na verdade, resulta que eu
não amo a Deus. É o que diz Basílio o Grande: “A prova que um homem não ama a
Deus e a Cristo reside no fato de que ele não cumpre os mandamentos.”
Eu
também não amo ao meu próximo, pois não somente não sou capaz de sacrificar
minha vida por ele – como pede o Evangelho – como sequer estou disposto a
sacrificar meu conforto, meu bem-estar e minha paz pelo bem do meu próximo. Se
eu o amasse como a mim mesmo, como ordena o Evangelho, suas aflições me
afligiram e suas alegrias me alegrariam. Mas ao contrário, eu ouço histórias
estranhas e infelizes sobre meu próximo e não sou atingido; eu não me perturbo
absolutamente ou, o que é pior, chego até a sentir um certo prazer. A má
conduta de um irmão, ao invés de deixá-la passar com amor, eu a proclamo e
censuro. Seu bem estar, suas honrarias e suas alegrias não me alegram como se
fossem comigo, e não sinto nenhum prazer nelas, como se fossem inteiramente
estranhas a mim. Ainda por cima, elas suscitam em mim a inveja ou o desdém.
Eu
não tenho nenhuma fé religiosa, nem na imortalidade, nem no Evangelho. Se
eu estivesse firmemente persuadido sem nenhuma dúvida de que para além do
túmulo se encontra a vida eterna e a recompensa dos atos desta vida, eu pensaria
nela continuamente. A própria ideia de imortalidade me encheria de temor e eu
levaria esta vida como um estranho que se prepara para retornar um dia ao seu
país natal. Ao contrário, eu nunca penso na eternidade e considero o fim desta
vida sobre a terra como o limite da minha existência. Este pensamento secreto
nasce em mim: “Quem sabe o que acontece no momento da morte?” Se eu digo que
acredito na imortalidade, é uma simples afirmação mental e meu coração está
longe de ter a mesma firma convicção. Minha conduta e meus constantes cuidados
em satisfazer a vida de meus sentidos o provam bem.
Se meu coração tivesse fé nos santos
Evangelhos como Palavra de Deus, eu me ocuparia deles e os estudaria
continuamente, neles encontraria minhas delícias e neles colocaria toda minha
atenção com profundo fervor. A sabedoria, a graça e o amor acham-se ocultos aí.
Dia e noite eu faria de minha felicidade o estudo das Leis de Deus. Ali estaria
o meu alimento, meu pão cotidiano, e meu coração guardaria espontaneamente a suas
leis. Nada na terra poderia me fazer desviar. Porém ao contrário, se de tempos
em tempos eu ouço a Palavra de Deus, ou é por necessidade ou pelo amor em si de
conhecer; de resto, eu não presto muita atenção a ela e a considero morna e sem
interesse. Geralmente eu chego ao final de minha leitura sem nenhum proveito,
sempre pronto a mudar para uma leitura mundana na qual encontro mais prazer e
mais assuntos novos e interessantes.
Eu
sou um poço de orgulho e egoísmo dos sentidos. Todas as minhas ações o
confirmam. Quando vejo algo de bom em mim, logo quero colocá-lo bem à vista ou
vangloriar-me disto perante os outros ou perante mim mesmo para admirar-me
deste bem. Embora eu transpareça uma humildade exterior, eu a imputo
inteiramente aos meus próprios méritos e considero-me um pouco superior aos
outros, ou no mínimo menos mau do que eles. Se pego uma falta em mim,
apresso-me a desculpá-la e encobri-la, dizendo: “Eu sou assim” ou “Não tenho do
que me envergonhar”. Eu fico furioso contra os que me tratam com pouco respeito
e os julgo incapazes de apreciar o valor das pessoas. Eu me vanglorio dos meus
dons; os fracassos de minhas empreitadas, eu os tomo como insultos pessoais. Eu
encontro prazer na infelicidade dos meus inimigos. Se por acaso me esforço para
algo de bom, é para extrair daí alguma glória, uma satisfação espiritual ou uma
consolação terrestre. Em uma palavra, eu faço continuamente de mim mesmo meu
próprio ídolo e o sirvo sem parar, buscando em cada coisa um alimento para
minhas paixões e ambições.
Examinando tudo isto, eu vi que sou
orgulhoso, corrupto, descrente, sem amor a Deus e que odeio ao meu próximo. Que
estado poderia ser mais culpado? A condição dos espíritos das trevas é melhor
do que a minha, pois eles, embora não amem a Deus, odeiem os homens e vivam do
orgulho, ao menos creem e temem. Mas, e eu? Pode haver destino mais terrível do
que o que se apresenta a mim? Qual sentença será mais severa do que a que
julgará a vida irresponsável e tola que reconheço em mim?
***
Ao
ler de ponta a ponta este modelo de confissão que o sacerdote me havia dado, eu
estava horrorizado e pensei: “Justos céus! Que pecados espantosos escondem-se
em mim, e como até agora não os havia visto!” O desejo de ser purificado fez-me
perguntar a este verdadeiro pai espiritual se me ensinaria as causas de todos
esses males e seus remédios. Assim, ele começou a instruir-me:
-
Veja, caro
irmão, não amar a Deus provém da insuficiência da fé, e a causa desta
insuficiência é a recusa em estudar a ciência verdadeira e sagrada, a indiferença
para com as luzes da alma. Em uma palavra, se você não tem fé, você não pode
amar; se você não estiver convencido, você não pode amar, e para chegar à
convicção é preciso um completo e exato conhecimento do problema. Pela
meditação, pelo estudo da Palavra de Deus e pela observação de suas próprias
experiências, você despertará em sua alma uma sede e uma impaciência, ou, como
alguns o chamam, uma “perplexidade” que leva ao insaciável desejo de ver as
coisas mais de perto e mais completamente, a fim de penetrar mais profundamente
em sua natureza.
Um
autor espiritual fala disto nos seguintes termos: “O amor, diz ele, cresce
geralmente com o conhecimento, e quanto mais profundo e extenso for o
conhecimento, mais amor haverá nele, mais facilmente o coração se submeterá e
se abrirá ao amor de Deus, contemplando atentamente sua plenitude, a beleza do
mundo de Deus e o amor infinito de Deus pelos homens.”
Você
pode ver que a causa desses pecados é a recusa preguiçosa em pensar nas coisas
espirituais, recusa que anestesia a própria sensação de necessidade destes
pensamentos. Se você quer saber como superar este mal, esforce-se pela
iluminação do espírito por todos os meios e com todas as suas forças, chegue lá
pelo estudo diligente da Palavra de Deus e dos santos Padres, pela via da
meditação e dos conselhos espirituais e pela conversação com aqueles que são
sábios em Cristo. Ah!, caro irmão, quanta infelicidade a nossa, apenas por
causa da preguiça em buscar a luz da alma na Palavra da verdade. Nós não estudamos
dia e noite a Lei de Deus, e não oramos a ele sem parar e diligentemente. É por
isto que nosso homem interior tem fome e frio, ele está frustrado a ponto de
não ser mais capaz de dar sequer um passo corajoso na direção da virtude e da
salvação! Assim, bem amado, tomemos a resolução de utilizarmos esses métodos, e
ocupemos tanto quanto possível o nosso espírito com o pensamento das coisas
celestes; e o amor jorrará do alto em nossos corações e inflamar-se-á em nós.
Assim o faremos e rezaremos tanto quanto pudermos, pois a prece é o meio
principal e o mais forte para nossa renovação e nosso bem estar. Nós oramos nos
termos que a Santa Igreja nos ensinou: “Ó Deus, tornai-me capaz de vos amar
hoje tanto quanto no passado amei os meus pecados.”
Eu
escutei tudo isso com atenção. Profundamente emocionado, pedi a este santo
sacerdote que ouvisse minha confissão e me desse a comunhão. De modo que na manhã seguinte, tendo tido a
graça de receber a comunhão, demonstrei a intenção de retornar a Kiev com este
santo viático. Mas o bom padre, que estaria no Alojamento por dois dias,
cedeu-me durante este tempo a hospitalidade de sua cela, para que eu pudesse me
dedicar livremente à oração. Passei estes dois dias como se estivesse no
paraíso. Com as orações do meu estaroste, por indigno que eu seja, desfrutei de
uma perfeita paz. A prece afluía ao meu coração com tanta facilidade e alegria
que durante este tempo, creio eu, esqueci-me de tudo e até de mim mesmo; não
havia mais nada em meu pensamento senão Jesus Cristo, e ele somente.
Ao
final, o sacerdote regressou, e eu lhe pedi opinião e conselho:
-
Aonde irei agora
em minha rota de peregrino?
Ele
deu-me sua benção, dizendo:
-
Vá então a
Pochaev venerar a marca milagrosa do pé da puríssima Mãe de Deus e ela guiará
seus passos no caminho da paz.
Fiando-me
em seu conselho, em três dias parti para Pochaev. Ao longo de umas duzentas
verstas o caminho era ladeado por albergues e aldeias judias, e raramente pude
encontrar uma habitação cristã. Numa colônia, percebi a existência de um
albergue cristão. Entrei nele para passar a noite e pedir um pouco de pão para
minha marcha, pois minhas reservas se esgotavam. Ao ver meu anfitrião, um velho
de bom talho, percebi que ele era originário da mesma província que eu, Orlov.
Entrei diretamente no salão, e sua primeira pergunta foi:
-
De que religião
é você?
Eu
respondi que era cristão, e ortodoxo.
-
Ortodoxo,
verdadeiramente, disse ele rindo. Vocês são ortodoxos nas palavras, mas nos
atos não passam de pagãos. Eu conheço tudo da sua religião, meu irmão. Um culto
sacerdote convenceu-me uma vez, e eu a experimentei: entrei na sua Igreja e
nela permaneci por seis meses. Depois disto, voltei aos costumes da minha
comunidade. Entrar para a sua igreja não passa de um erro. Os leitores murmuram
o ofício não importa como, com partes que faltam e outras que não se compreende
mais. O canto não é melhor do que o que se ouve nos cafés. E as pessoas ficam
todas juntas, homens e mulheres reunidos; todos falam durante o ofício,
viram-se, olham ao redor, andam de um lado para outro e não nos deixam tranquilidade
nem paz para rezarmos. Que espécie de adoração é esta? Um pecado, e isto é
tudo! Enquanto que entre nós, como o ofício é piedoso, podemos ouvir tudo o que
é dito, nada é omitido, o canto é dos mais tocantes e o povo se mantém tranquilamente,
homens de um lado, mulheres do outro, e cada qual sabe as inclinações e
genuflexões que devem ser feitas em cada momento, segundo os ensinamentos da
santa Igreja. Realmente, e com toda a sinceridade: quando entramos em uma de
nossas igrejas, sentimos que ali se adora a Deus; mas nas suas, não conseguimos
distinguir se estamos numa igreja ou num mercado.
Por
tudo isto compreendi que o ancião era um desses velhos crentes radicais. Mas
seu discurso era tão plausível que eu não podia discutir com ele e menos ainda
convertê-lo. Pensei comigo apenas que seria impossível converter os velhos
crentes à verdadeira Igreja enquanto não pusermos em ordem nossos próprios
ofícios, com o clero dando o exemplo em primeiro lugar. Estes velhos crentes
não conhecem nada da vida interior, eles se apoiam sobre as coisas exteriores,
e são estas que nós negligenciamos.
Assim
é que me decidi a partir, e já estava à saída quando vi, para minha surpresa,
pela porta de um quarto particular, um homem que não parecia ser russo; ele
lia, estendido sobre o leito. Ele fez-me um sinal e perguntou quem eu era. Eu
lhe respondi, e então ele começou a falar:
-
Escute, amigo.
Você não aceitaria ocupar-se de um doente, digamos por uma semana, até que, com
a ajuda de Deus, eu esteja melhor? Eu sou grego, monge do monte Athos. Estou na
Rússia para recolher as esmolas para meu mosteiro e, no caminho de volta, caí
adoecido; tenho as pernas por demais doloridas para conseguir andar. Por isso
aluguei este quarto. Não diga não, servidor de Deus! Eu lhe pagarei.
-
Não é preciso
pagar-me. Eu vou ajudá-lo o melhor que puder, com a ajuda de Deus.
Assim
é que fiquei com ele. Aprendi muitas coisas referentes à salvação de nossas
almas. Ele me falou de Athos, a montanha sagrada, dos grandes ascetas, dos
numerosos eremitas e anacoretas. Ele tinha consigo um exemplar da Filocalia em grego e um livro de Isaac o Sírio. Lemos juntos e
comparamos a tradução eslava de Paissy Velitchkovsky com o original grego. Ele
declarou que seria impossível traduzir a Filocalia com mais exatidão e fidelidade do que o fez Paissy
para o eslavo.
Eu
observei que ele estava sempre em oração e que era muito versado na prece
interior do coração, e como ele falasse o russo à perfeição, eu o questionei
sobre este assunto. Ele me disse muitas coisas a respeito, e eu escutei
atentamente; muitas anotei por escrito. Assim, por exemplo, foi nestes termos
que ele me instruiu sobre a excelência e a grandeza da prece de Jesus:
-
A própria forma
da prece de Jesus mostra quão grande é esta oração. Ela consiste de duas
partes. Na primeira, Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, ela dirige nossos pensamentos para o mistério de
Jesus Cristo e, como dizem os Padres, é assim um resumo do Evangelho. Na
segunda parte, tem piedade de mim, pecador, ela nos coloca diante do fato de nossa natureza
decaída. É notável como o desejo e a demanda de uma alma pobre e humilde não
poderiam ser expressos em termos mais sábios, mais claros e mais exatos do que
estes: tem piedade de mim. Nenhuma outra
fórmula poderia ser tão satisfatória e completa.
Se
disséssemos, por exemplo: “Perdoe-me, desculpe minhas faltas, purifique-me de
minhas transgressões, esqueça minhas ofensas”, tudo isto não exprimiria senão
uma demanda: a de ser liberado da punição, o medo de uma alma fraca e sem
energia. Mas dizer: tem piedade de mim
não expressa apenas o desejo do perdão por medo, mas o chamado sincero do amor
filial, que coloca sua esperança no amor de Deus e confessa humildemente ser
demasiado fraco para dobrar sua própria vontade e vigiar atentamente a si
mesmo. É um apelo de misericórdia – e portanto de graça – que se manifestará
pela força com que Deus nos tornará capazes de resistir à tentação e de vencer
nossa inclinação para o pecado. É como um devedor insolvente que pede ao seu
financiador – que é seu amigo – não apenas de perdoar-lhe uma dívida, mas ainda
de apiedar-se de sua extrema pobreza e dar-lhe uma esmola. É isto que exprimem
estas palavras profundas: tem piedade de mim. É como se disséssemos: “Senhor misericordioso, perdoe meus pecados e
me ajude a corrigir-me; desperte em minha alma um desejo vivo de seguir seus
mandamentos. Distribua sua graça perdoando meus pecados presentes e voltando
meus pensamentos, minha vontade e meu coração, apenas na sua direção.”
Maravilhado
com a sabedoria de seu discurso, pedi-lhe que instruísse minha alma pecadora, e
ele continuou a ensinar-me coisas maravilhosas.
-
Se você quiser,
disse ele (e percebi que era um erudito, pois estudara na Academia de Atenas),
eu lhe falarei sobre o tom em que se deve dizer a oração de Jesus. Já ouvi
inúmeros cristãos tementes a Deus dizerem oralmente esta prece, como manda o
Verbo de Deus e conforme a tradição da santa Igreja. Eles a utilizam não apenas
em suas orações privadas, mas também na igreja. Se você escutar atentamente a
agradável recitação desta prece, você observará para seu proveito espiritual
que o tom da voz que reza varia conforme a pessoa. Assim, alguns colocam a
ênfase sobre a primeira palavra, e dizem Senhor Jesus Cristo, para depois
prosseguir num tom uniforme. Outros começam com um tom uniforme e acentuam
apenas a palavra Jesus como uma exclamação, para depois voltar ao tom
neutro do começo. Outros ainda começam e seguem a prece sem acento, até as
palavras finais tem piedade de mim, quando então elevam a voz em êxtase. Finalmente,
outros dizem toda a oração – Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem
piedade de mim – com toda a ênfase na fórmula Filho de Deus.
Agora,
escute. Existe sempre apenas uma e mesma prece. Os cristãos ortodoxos possuem
uma única e mesma fé, e todos sabem que esta oração sublime entre todas contém
duas coisas: o Senhor Jesus e o apelo a ele. Isto é reconhecido por todos.
Porque então isto não é expresso sempre da mesma maneira, no mesmo tom? Porque
a alma se exprime de modo assim tão particular, porque ela se exprime com
ênfases peculiares, acentuando, não o mesmo ponto para todos, mas pontos
diferentes para cada um? Muitos dizem que pode ser o resultado do hábito ou da
imitação, ou que isto depende de diferentes interpretações dos termos segundo
pontos de vista individuais, ou ainda que é apenas o modo mais fácil e
espontâneo que ocorre a cada um. Não é o que eu penso. Eu quero encontrar uma
razão mais elevada, algo desconhecido tanto do auditor quando da própria pessoa
que reza. Não haveria aí um impulso oculto do Espírito Santo, “que intercede
por nós com suspiros inefáveis”, e que não poderia ser inventado por quem não
sabe nem porque nem como rezar? E, se é por intercessão do Espírito Santo,
segundo a palavra do Apóstolo, que cada qual invoca o nome de Jesus Cristo, o
Espírito, que age em segredo e dá a oração àquele que ora, empresta um tom
particular a cada um, apesar de sua falta de força.
Assim
ele pode dar a um o temor reverencial de Deus, a outro o amor, a um terceiro a
certeza da fé, a um outro a humildade irradiante da graça, e assim por diante.
Se
é assim, aquele que recebeu a graça de reverenciar a força do Todo-Poderoso
insistirá particularmente na palavra Senhor, na qual ele encontrará a
grandeza e o poder do Criador do mundo. Um outro, a quem foi dada a efusão
secreta do amor no coração, está fora de si e cheio de alegria quando exclama Jesus Cristo, tal como estes estarostes que não podem ouvir o nome de Jesus, mesmo
nas conversas banais, sem sentir um influxo particular de amor e alegria.
Aquele que crê inabalavelmente na divindade de Jesus Cristo, consubstancial ao
Pai, é gratificado com uma fé ainda mais fervente dizendo as palavras Filho de Deus. Aquele que recebeu o dom da humildade e tem uma profunda consciência
de sua própria fraqueza humilha-se repetindo as palavras Tem piedade de mim, e derrama seu coração nestas últimas palavras da
prece de Jesus. Ele encarece a esperança que põe na bondade do amor de Deus e
ab-roga sua própria queda no pecado. É aí, na minha visão, que devemos procurar
as causas das diferentes entonações com que se pronuncia a oração do Nome de
Jesus. E você poderá reconhecer, escutando, para glória de Deus e sua própria
edificação, qual emoção atinge mais especialmente este ou aquele, qual dom
espiritual ele possui. Muitas pessoas me indagaram a respeito:
“Porque
todos estes sinais dos dons espirituais escondidos não aparecem juntos e
reunidos? Não algumas, mas todas as palavras da oração seriam então impregnadas
com um único e mesmo tom de arrebatamento.”
Eu
lhes respondi deste modo: uma vez que a graça de Deus reparte seus dons com
sabedoria a cada qual segundo sua força, como vemos nas santas Escrituras, quem
pode pretender, com as limitações de seu espírito, penetrar em todos os estados
de graça? Não está a argila inteiramente à mercê do ceramista, e não pode ele
fazer com ela tal ou tal coisa, conforme entender?
Eu
passei cinco dias com este estaroste, e ele começou a sentir-se cada vez
melhor. Estes tempos me foram tão proveitosos que não me dei conta da rapidez
com que passaram. Pois neste pequeno quarto, em silenciosa reclusão, não
tínhamos outra preocupação do que invocar silenciosamente o nome de Jesus, ou
conversar sobre o mesmo assunto, a prece interior.
Um
dia, veio nos ver um peregrino. Ele se queixava amargamente dos judeus e os
insultava. Ele havia passado por suas aldeias e sofrera com sua hostilidade e
suas artimanhas. Sua amargura era tão grande contra eles que ele os maldizia e
declarava que eles eram indignos de viver por causa de sua obstinação e de sua
incredulidade. Ele exclamou finalmente que sentia por eles tamanha aversão que
já não podia controlar-se.
-
Você não tem o
direito, meu amigo, disse o estaroste, de insultar e maldizer desta maneira os
judeus. Deus os criou assim como a nós. Você deveria ter respeito por eles e
rezar por eles, não maldizê-los. Creia-me, o desgosto que você tem por eles vem
do fato de que você não está enraizado no amor de Deus e não possui a prece
interior. Vou ler-lhe uma passagem dos santos Padres a respeito. Escute o que
diz Marcos o Asceta: “A alma que está inteiramente unida a Deus torna-se, de
tanta felicidade, como uma criança simples e boa, que não condena ninguém,
grego, pagão, judeu ou pecador, mas a todos considera com o mesmo olhar
purificado, que encontra alegria no mundo inteiro, e deseja que todos louvem a
Deus – gregos, judeus e pagãos.” E Macário o Grande do Egito diz que o
contemplativo queima com tão grande amor que, se fosse possível, ele faria de
si a morada de todos, sem distinção entre bons e ruins.
Eis,
querido irmão, o que pensam os Padres. Eu lhe recomendo então deixar de lado a
violência e considerar todas as coisas sob o signo da onisciente providência de
Deus, e quando você passar por situações vexatórias, antes acuse a si mesmo de
impaciência e falta de humildade.
Enfim,
passada mais de uma semana, meu estaroste estava curado, e eu lhe agradeci do
fundo do coração todos os ensinamentos benditos que ele ministrara a mim;
depois disto, trocamos nossos endereços. Ele se pôs a caminho de casa, e eu
retomei o itinerário que havia projetado; e assim me aproximei de Pochaev. Não
havia percorrido cem verstas quando um soldado juntou-se a mim. Ele retornava,
disse-me, ao seu país natal em Kamenets Podolsk. Cerca de dez verstas se
passaram sem que trocássemos sequer uma palavra; eu notei que ele suspirava
profundamente, como se alguma coisa o importunasse, e sua expressão era
sombria. Perguntei-lhe o que o entristecia a tal ponto.
-
Meu amigo, você
notou minha angústia; se você jurar por tudo o que há de mais sagrado não
revelá-lo a ninguém, eu lhe contarei minha história, pois estou perto de morrer
e não tenho ninguém com quem falar.
Eu
lhe assegurei que, como cristão, eu não tinha nenhuma necessidade de contar a ninguém,
e que ficaria feliz em lhe dar os conselhos que pudesse.
-
Pois bem, vamos
lá, começou ele. Eu fui recrutado como soldado entre os civis do estado. Depois
de quase cinco anos, o serviço se me tornou insuportável; de fato, eu me fiz
chicotear várias vezes por negligência e bebedeira. Diversas vezes pensei em
fugir até que consegui, e vivi como desertor nestes últimos quinze anos. Por
seis anos eu me escondi aonde pude. Praticava furtos nas empresas, nos
depósitos, nos entrepostos. Roubava cavalos. Roubava nas lojas, e prossegui
nesta vida sempre por minha própria conta. Eu me desembaraçava dos bens
roubados de diversas maneiras. Eu bebia o dinheiro, levava uma vida depravada e
cometia todos os pecados possíveis. Apenas minha alma não pereceu. Eu me virava
bem, mas no final jogaram-me na prisão por ser vagabundo e não ter passaporte.
Mesmo
assim, encontrei ocasião de me evadir. Depois, por mero acaso, encontrei um
soldado em licença de serviço, que voltava para casa em uma província distante.
Como ele estava doente e mal conseguia caminhar, pediu-me que o conduzisse à
cidade mais próxima, aonde ele pudesse se hospedar. Eu o conduzi, portanto. A
polícia nos autorizou a passar a noite numa granja, sobre o feno, e lá nos
estendemos. Ao me levantar no dia seguinte, lancei um olhar sobre o soldado, e
lá estava ele, completamente morto. Então, com pressa, procurei seu passaporte
– ou melhor, seu certificado de licença – e, tendo-o encontrado junto com uma
bela soma em dinheiro, enquanto todos ainda dormiam eu deixei a granja o mais
depressa que pude, meti-me floresta adentro e fugi. Lendo o passaporte, vi que
o soldado tinha mais ou menos a mesma idade que eu e sinais semelhantes.
Felicitei-me, e fui resolutamente para os confins da província de Astrakan; lá,
comecei a me relacionar e logo obtive trabalho. Trabalhava com um velho homem
que possuía uma casa e comerciava com gado. Ele vivia só com sua filha viúva.
Depois de um ano com ele, desposei sua filha. Depois o velho morreu, e não
pudemos prosseguir com o negócio. Eu voltei a beber, e comigo minha esposa, e
em um ano dilapidamos tudo o que o velho deixara. Depois minha esposa caiu
doente e morreu. Então eu vendi tudo o que restava e mais a casa, e em pouco
tempo cheguei ao fim dos meus recursos. Eu não tinha mais do que viver, nada
para comer, e assim voltei à minha velha atividade de tráfico de objetos
roubados, com maior audácia agora que tinha um passaporte. Assim foi que
retomei minha antiga existência por cerca de um ano. Logo veio um grande
período em que eu não conseguia quase nada. Roubei um velho cavalo a um cidadão
sem terra e o vendi ao esquartejador por um pedaço de pão. Com o dinheiro fui
ao café e me pus a beber. Tinha a intenção de permanecer na cidade, aonde havia
um armazém, com a esperança de, quando todos tivessem dormido, roubar tudo o
que pudesse.
Como
o sol ainda não se havia posto, fui à floresta para esperar a noite; deitei-me
e dormi um sono profundo. Tive então um sonho no qual me via deitado em uma
grande e bela pradaria. Subitamente uma nuvem terrível ergueu-se no céu e
sobreveio um trovão tão aterrador que o solo tremia debaixo de mim, e senti
como se alguém me enterrasse de um só golpe até as espáduas na terra que me
pressionava de todos os lados. Apenas minha cabeça e minhas mãos emergiam.
Então vi que a nuvem temível pousava no chão e dela saiu meu avô que havia
morrido há vinte anos. Era um homem muito direito, e durante trinta anos foi o
curador de nossa aldeia. Ele dirigiu-se a mim com um ar de cólera tão ameaçador
que me fez tremer. Ao meu redor, eu via em diversos montes os objetos que
roubara em diferentes épocas. Meu terror redobrou. Meu avô chegou até mim e,
apontando com o dedo o primeiro monte, disse:
“O
que é isto? Vamos!”
Então
a terra ao meu redor começou a apertar-me com tanta força que eu não podia
suportar a dor, mas também não desfalecia. Eu gemia e gritava: “Tenha piedade
de mim!”, mas o tormento continuava. Então meu avô apontou outro monte e disse
outra vez:
“E
o que é isto? Aperte com mais força!”
Senti
uma dor e uma angústia tão violentas que nenhuma angústia deste mundo pode
comparar. Por fim, meu avô conduziu até mim o cavalo que eu roubara à tarde e
gritou:
“E
isto, o que é? Vamos, apertem tão forte quanto puderem!”
Tamanha
foi a dor por todo o meu corpo que não sou capaz de descrevê-la: foi cruel,
aterradora e esgotante! Parecia-me que todos os músculos eram amassados e a dor
tremenda me sufocava. Senti que esta tortura duraria um longo tempo e perdi a
consciência. Mas o cavalo me deu um coice e rasgou-me o rosto. Quando senti o
golpe, acordei; eu estava no limite do horror e todo o meu corpo tremia. Vi que
já era dia e que o sol se levantava. Levando a mão ao rosto, percebi que o
sangue escorria; as partes do meu corpo que se achavam enterradas no sonho,
estavam com câimbras e cheias de formigamentos. Meu terror era tão grande que
eu custei a me levantar e dar por mim. O corte no meu rosto doeu por muito
tempo. Veja, você pode ver a cicatriz; ela não estava aí antes.
Daí
para frente, o medo e o horror tomam conta de mim à simples lembrança daquilo
que sofri neste sonho, e com tanta força que não sei o que fazer de mim. E o
que é pior, isto foi se tornando cada vez mais frequente e, no final, eu
comecei a ter medo das pessoas e a me sentir envergonhado, como se todos
conhecessem meu passado desonesto. Perdi o gosto em comer, beber ou dormir, por
causa deste tormento. Virei um farrapo. Pensei em retornar ao meu regimento e
aliviar meu coração de tudo: talvez Deus perdoasse meus pecados se eu aceitasse
meu castigo. Mas eu tinha medo, e a ideia de que me bateriam me desencorajava.
Perdendo a paciência, cheguei a pensar em me enforcar. Mas ocorreu-me que, de
qualquer modo, eu não viveria por muito mais tempo; eu morreria logo, pois
sentia que já não tinha mais forças para nada. Por isso resolvi voltar à minha
terra natal e fazer minhas despedidas antes de morrer. Eu tenho um sobrinho lá.
Faz seis meses que estou a caminho, e durante todo este tempo o sofrimento e a
dor acabam comigo miseravelmente. Que pensa você, meu amigo? O que devo fazer?
Verdadeiramente, estou no limite.
Ouvindo
tudo isso, fiquei espantado e louvei a sabedoria e a bondade de Deus, pelos
meios de que se utiliza para atingir um pecador. Eu lhe disse:
-
Caro irmão,
durante estas crises de medo e de angústia, é preciso rogar a Deus. É o grande
remédio para todos os males.
-
Jamais em minha
vida!, respondeu ele. Parece-me que, se eu me puser a rezar, Deus me destruirá
instantaneamente!
-
Isto é um contrassenso,
irmão; é o diabo que põe tais ideias na sua cabeça. Não existem limites para a
misericórdia de Deus, ele é compassivo para com os pecadores e seu perdão está
pronto para aqueles que se arrependem. Você não conhece a oração: Senhor
Jesus Cristo, tem piedade de mim, pecador? Eu a
repito sem cessar.
-
Certamente,
conheço esta oração. Eu a recitava às vezes para ganhar coragem quando me
preparava para cometer um roubo.
-
Neste caso,
escute. Deus não o destruiu quando você estava a caminho de uma má ação e dizia
a prece. Ele o fará se você se puser a rezar em plena via do arrependimento?
Veja bem como seus pensamentos vêm do diabo. Creia-me, caro irmão, se você
disser a oração sem jamais preocupar-se com os pensamentos que lhe vêm à mente,
quaisquer que sejam, logo você estará curado. Todo o medo e toda inquietação irão
embora e, no final, você estará totalmente em paz. Você se tornará um homem
piedoso e todas as paixões pecaminosas o deixarão, eu lhe asseguro, porque já
vi muitos exemplos disto em minha vida.
Eu
lhe contei a seguir muitos casos em que se revelou o maravilhoso poder da prece
de Jesus sobre os pecadores. No fim, persuadi-o a me acompanhar até a Mãe de
Deus de Pochaev, refúgio dos pecadores, para aí fazer sua confissão e sua
comunhão antes de voltar para casa.
Meu
soldado escutou tudo isso atentamente, com alegria, pelo que pude notar, e
aceitou tudo. Dirigimo-nos juntos a Pochaev, com a condição de que nenhum dos
dois falaria com o outro, e que diríamos a oração todo o tempo. Em silêncio,
caminhamos por toda uma jornada. No dia seguinte, ele me disse que se sentia
muito mais leve, e estava claro que seu espírito estava mais calmo do que
antes. Atingimos Pochaev no terceiro dia, e eu o exortei a não interromper a
prece nem de dia nem à noite enquanto ainda estivesse acordado, assegurando-lhe
que o santíssimo nome de Jesus, insuportável para os inimigos espirituais, teria
o poder de salvá-lo. Li para ele o trecho da Filocalia que afirma que, embora devamos recitar a prece em
todos os momentos, é especialmente necessário dizê-la com o maior cuidado
quando nos preparamos para a comunhão.
Foi o
que ele fez, e depois ele confessou-se e comungou. Embora de tempos em tempos
seus velhos pensamentos voltassem a atormentá-lo, ele não tinha dificuldade em
dissipá-los pela oração de Jesus. No domingo, para mais facilmente acordar para
as matinais, ele deitou-se mais cedo continuando a oração. Eu permaneci sentado
em meu canto, lendo a Filocalia à luz de
uma lamparina. Uma hora se passou; ele dormia e eu iniciei minhas orações. De
repente, cerca de vinte minutos depois, ele sobressaltou-se e despertou, pulou
rapidamente de seu leito e acorreu em lágrimas para mim, transportado de
felicidade e dizendo:
-
Ah, irmão, se
você soubesse o que acabei de ver! Que paz, que alegria! Eu creio que Deus é
misericordioso para com os pecadores e não os atormenta. Glória a vós, Senhor,
glória a vós!
Surpreso
e feliz, pedi-lhe que me contasse exatamente o que se passara.
-
Pois bem, disse
ele. Logo que dormi, achei-me de novo naquela pradaria em que fui torturado.
Primeiro fiquei terrificado, mas vi que em lugar da nuvem o sol resplandecente
levantava-se, e uma luz esplêndida brilhava sobre toda a pradaria. Vi lindas
flores e ervas do campo. Subitamente meu avô chegou até mim, mais bonito do que
nunca, e saudou-me amavelmente. Ele me disse: “Vá a Jitomir, à igreja de São
Jorge. A Igreja o tomará sob sua proteção. Passe lá o resto de sua vida e reze
sem cessar. Deus será para você cheio de favor.” Dizendo isto, ele fez sobre
mim o sinal da cruz e desapareceu. Não posso descrever a felicidade que senti:
é como se um fardo me fosse tirado das costas e eu pudesse voar até os céus.
Foi quando despertei, apaziguado em meu espírito e em meu coração, tão cheio de
alegria que já não sabia o que fazer. Que devo fazer agora? Quero partir
imediatamente para Jitomir, como me disse meu avô. Com a oração, será fácil.
-
Um momento, caro
irmão. Como partir no meio da noite? Espere a manhã, diga suas orações e depois
parta com Deus.
Depois
deste diálogo não dormimos mais. Depois fomos à igreja; ele permaneceu ali durante
todas as matinas, rezando sinceramente com muitas lágrimas, e me disse que se
sentia em paz, e que continuaria a recitar a oração de Jesus para sempre e com
alegria. Na Liturgia, ele recebeu a comunhão e depois de ter tomado algum
alimento, eu o acompanhei até a estrada para Jitomir, aonde nos separamos com
lágrimas de alegria.
Então
voltei a pensar nos meus próprios negócios. Aonde ir agora? Finalmente decidi
voltar a Kiev. Os sábios ensinamentos de meu sacerdote me atraíam para lá e,
ademais, se eu permanecesse com ele, talvez ele conhecesse algum amigo de
Cristo e dos homens que pudesse me colocar a caminho de Jerusalém, ou no mínimo
do monte Athos. Fiquei mais uma semana em Pochaev, passando meu tempo a
relembrar todos os ensinamentos recebidos nessa viagem e a tomar nota de
algumas coisas úteis. Depois me preparei para a viagem, tomei minha sacola e
fui à igreja para rogar à Mãe de Deus. Após a Liturgia, fiz minhas orações e
preparei-me para a partida. Eu estava em pé no fundo da igreja quando entrou um
homem, não ricamente vestido mas evidentemente alguém da nobreza, e
perguntou-me aonde se vendiam velas. Eu mostrei-lhe. Depois fiz ainda algumas
orações diante do altar da Concepção. Ao terminar as preces, tomei meu caminho.
A alguma distância de lá, ao longo da via, notei em uma casa uma janela aberta
pela qual se podia ver um homem que lia um livro. Meu caminho passou
diretamente em frente a esta janela e vi que o homem era o mesmo que me
perguntara das velas na igreja. Ergui meu chapéu à passagem e, quando ele me
viu, fez sinal para que me aproximasse e disse:
-
Suponho que você
seja um peregrino?
-
Sim,
respondi-lhe.
Ele
pediu-me para entrar, e quis saber quem eu era e aonde ia. Eu lhe respondi
tudo, sem nada ocultar. Ele me ofereceu chá e se pôs a falar.
-
Escute, meu
pequeno peregrino. Eu o aconselharei a ir ao mosteiro Solovetsky, em uma das
ilhas Solovets, no mar Branco. Existe lá um local aprazível e muito retirado,
chamado Anzersky. É uma espécie de segundo Athos, e todos ali são bem-vindos. O
noviciado ali consiste apenas no seguinte: ler rapidamente o saltério na igreja
por quatro horas a cada vinte e quatro. Eu mesmo vou para lá. E fiz voto de ir
a pé. Poderíamos ir juntos. Seria mais seguro ir com você; parece que o caminho
é muito solitário. Por outro lado, eu tenho dinheiro e poderei assegurar a sua
subsistência durante a viagem. Eu lhe proponho estas condições: marcharemos a
uns vinte passos um do outro; assim não nos incomodaremos, e poderemos ler ou
meditar ao longo do caminho. Reflita, meu irmão, e aceite, peço-lhe; vai valer
a pena.
Tomei
este convite inesperado como um sinal enviado pela Mãe de Deus a quem pedira
que me mostrasse o caminho da beatitude. E, sem mais reflexões, aceitei.
Partimos no dia seguinte. Por três dias seguimos caminho como combinado, um
seguindo a certa distância do outro. Ele lia um livro todo o tempo, e não o
abandonava nem de dia nem de noite; e por momentos ele meditava. Enfim,
chegamos a um lugar onde paramos para almoçar. Ele comeu com o livro aberto
diante de si e sem tirar os olhos dele. Vi que se tratava de um exemplar dos
Evangelhos, e lhe disse:
-
Posso
perguntar-lhe, senhor, porque guarda sempre consigo à mão os Evangelhos, porque
os carrega e mantém sempre ao seu lado?
-
Porque,
respondeu ele, deles e deles somente eu aprendo sem cessar.
-
E o que você
aprende?, continuei.
-
A vida cristã,
que se resume na oração. Eu considero que a oração é o meio de salvação mais
importante e mais necessário, e o primeiro dever de todo cristão. A prece é o
primeiro passo para a vida espiritual, é o seu coroamento, e é por isso que o
Evangelho nos recomenda a prece perpétua. Para os demais atos da piedade,
requer-se um tempo próprio, mas para a prece não existe tempo que não seja
oportuno. Sem a oração, é impossível fazer qualquer bem que seja, e sem os
Evangelhos não temos como aprender convenientemente a rezar. Desde o começo,
todos os que atingiram a salvação pelo caminho da vida interior, tanto os
santos predicadores do Verbo de Deus, como também os eremitas e os reclusos, e
verdadeiramente todos os cristãos tementes a Deus receberam seu ensinamento de
sua constante e incansável ocupação nas profundezas da palavra de Deus e da
leitura do Evangelho. Muitos dentre eles tinham todo o tempo o Evangelho à mão,
e em seu ensinamento sobre a salvação davam este conselho: “Sente-se no
silêncio de sua cela, leia o Evangelho e realize-o.” Eis a razão pela qual eu
leio o Evangelho exclusivamente.
Seu
raciocínio impressionou-me, assim como seu ardor para com a oração.
Perguntei-lhe a seguir em qual Evangelho específico ele encontrara os
ensinamentos sobre a prece.
-
Nos quatro
indiferentemente, respondeu ele, no Novo Testamento inteiro, lendo-o pela
ordem. Eu o leio há muito tempo buscando penetrar seu sentido, e isto me
mostrou que existe uma gradação e uma cadeia regular de ensinamentos sobre a
prece nos santos Evangelhos, a partir do primeiro e seguindo regularmente até o
fim, segundo um método. Por exemplo: logo no começo encontra-se a preparação ou
introdução ao estudo da prece, a seguir sua forma ou sua expressão exterior em
palavras. Mais adiante, encontramos as condições necessárias para oferecer a
oração e os meios de aprendê-la, com exemplos; e finalmente o ensinamento da
oração interior e espiritual constante do nome de Jesus, que é representado
como mais elevado e mais salutar do que a prece exterior. Depois vem sua
necessidade, seu fruto bendito, e assim por diante. Em uma palavra, encontra-se
nos Evangelhos um conhecimento completo e detalhado sobre a prática da oração
em uma ordem ou sequência metódica do começo ao fim.
Esta
resposta estimulou-me a pedir-lhe que me mostrasse isto em detalhe. Eu lhe
disse então:
-
Como eu aprecio
acima de qualquer coisa ouvir falar sobre a oração, ficarei verdadeiramente
feliz de conhecer esta corrente secreta de ensinamentos sobre a prece com todos
os detalhes. Pelo amor de Deus, mostre-me tudo isto no Evangelho.
Ele
aceitou de bom grado e disse:
-
Abra seu
Evangelho; observe-o e note o que eu lhe digo.
Ele
deu-me um lápis.
-
É bom para
sublinhar as notas que tomei. Agora, disse, veja antes de mais nada o Evangelho
de São Mateus, no sexto capítulo, e leia do quinto ao oitavo versículo. Você
verá que temos aqui a preparação ou introdução, ensinando que não é com vaidade
e espalhafato, mas em um lugar solitário e em toda a calma que se deve recitar
a oração; que é preciso rezar apenas pelo perdão dos pecados e pela comunhão
com Deus, sem acrescentar qualquer demanda inútil a respeito de coisas
temporais, como o fazem os pagãos[7]. Depois siga a leitura do mesmo capítulo, do nono ao
décimo-quarto versículo: encontraremos aí a forma da oração – ou seja, em que
termos ela deve ser expressa[8]. Você vê aí, reunidos com enorme sabedoria, todos os
elementos necessários e desejáveis para nossa vida. Depois disto, os versículos
décimo-quarto e décimo-quinto do mesmo capítulo, e verá aí as condições
necessárias para a eficácia da prece. Pois se não perdoarmos aqueles que nos
fizeram mal, Deus não perdoará os nossos pecados[9]. Passe então para o sétimo capítulo, e você
encontrará no sétimo e no nono versículos como obter o fruto da prece,
esperando audaciosamente – “peça”, “busque”, “bata”[10]. Estas expressões fortes descrevem a frequência da
oração e a urgência em praticá-la, de tal modo que a oração não apenas
acompanha as ações, mas as precede. Está
aí a qualidade essencial da oração. Você verá uma ilustração disto no
décimo-quarto capítulo de São Marcos, do trigésimo-segundo ao trigésimo-nono
versículo, onde o próprio Cristo repete frequentemente as mesmas fórmulas de
prece[11]. Em São Lucas, capítulo onze, versículos cinco a
quatorze, temos um exemplo semelhante da prece repetida na parábola do amigo da
meia-noite[12], e em outro ponto a história do pedido repetido da
viúva insistente[13], ilustrando o mandamento de Jesus Cristo de que devemos
orar sempre, em todo o tempo e lugar, e não nos abandonarmos ao
desencorajamento, ou seja à preguiça.
Depois
deste ensinamento detalhado, é no Evangelho de São João que nos é oferecido o
ensinamento essencial sobre a prece secreta e interior do coração. Em primeiro
lugar, ele nos é trazido no relato profundo do encontro de Jesus com a
Samaritana, em que nos é revelada a adoração interior em espírito e em verdade,
que Deus quer e que é a verdadeira prece perpétua, como uma água viva que jorra
na vida eterna[14]. Mais adiante, no décimo-quinto capítulo, versículo
de quatro a oito, nos são descritos com mais precisão o poder, as
possibilidades e a necessidade da oração interior – vale dizer, da atenção do
espírito em Cristo, à lembrança incessante de Deus[15]. Por fim, leia os versículos de vinte e três a vinte
e quatro no décimo-sexto capítulo do mesmo Evangelho[16]. Veja que mistério nos é revelado aí. Você sabe que
a oração do nome de Jesus Cristo, conhecida com o nome de prece de Jesus – ou
seja Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim – frequentemente repetida, tem um poder imenso e abre com facilidade
as portas do coração, santificando-o. Podemos ver claramente no caso dos
Apóstolos que foram discípulos de Jesus por um ano inteiro, e já haviam
recebido dele a oração dominical – ou seja, o Pai Nosso; e é através deles que
a conhecemos. Porém, foi no final de sua vida terrestre, que Jesus Cristo lhes
revelou o mistério que ainda permanecia sobre a sua oração. Para que esta
pudesse dar um passo decisivo adiante, ele lhes disse: “Até hoje vocês nada
pediram em meu nome. Em verdade vos digo, tudo o que vocês pedirem ao Pai, em
meu nome, ele lhes dará.” E é o que aconteceu com eles. E quando os Apóstolos
aprenderam a rezar em nome de Jesus, quantas maravilhas eles não cumpriram, e
quão abundante foi a luz que lhes foi prodigalizada! Agora, vê você o
encadeamento, a plenitude do ensinamento sobre a oração disposta com tanta
sabedoria nos santos Evangelhos? E se você prosseguir pela leitura das
Epístolas, nelas encontrará o mesmo ensinamento progressivo.
Para
complementar as notas que eu já lhe dei, vou indicar ainda muitas passagens que
ilustram as qualidades da oração. Assim, a prática é descrita nos Atos – ou
seja, o diligente e constante exercício da oração pelos primeiros cristãos, que
foram iluminados por sua fé em Jesus Cristo[17]. Aí nos são indicados os frutos da prece e os
resultados da oração constante, ou seja a efusão do Espírito Santo e de seus
dons sobre aqueles que oram. Você verá alguma coisa de semelhante no capítulo
sexto, versículos vinte e cinco e vinte e seis. Depois, siga a ordem das
Epístolas e você verá: em primeiro lugar, como a oração é necessária em todas
as circunstâncias[18]; em segundo, como o Espírito Santo nos ajuda a rezar[19]; em terceiro, como devemos todos rezar em espírito[20]; em quarto, como a calma e a paz interior são
necessárias para a oração[21]; em quinto, como é preciso orar sem cessar[22]; e enfim, vemos que não devemos rezar apenas por nós
mesmos, mas também por todos os homens[23].
Assim,
consagrando grande tempo, com muito cuidado, em descobrir seu significado,
podemos encontrar muitas outras revelações da ciência secreta escondida na
Palavra de Deus, e que nos escapam se só a lemos de quando em quando e
distraidamente.
Veja
de acordo com o que lhe mostrei, com quanta sabedoria e método o Novo
Testamento revela o ensinamento de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre as questões
que examinamos. Percebe em que maravilhosa sequência ele nos é exposto pelos
quatro evangelistas? Assim é: em São Mateus, vemos a preparação, a introdução à
prece, a verdadeira força da oração, suas condições, e assim por diante.
Depois, em São Marcos encontramos exemplos, em São Lucas as parábolas, e por
fim em São João a prática secreta da oração interior, embora esta também se encontre
nos demais evangelistas com mais ou menos detalhe. Os Atos nos descrevem a
prática da oração e seus resultados. Nas Epístolas apostólicas e no próprio
Apocalipse, encontramos diversos aspectos do ato de rezar. Eis a razão pela
qual só tenho os Evangelhos como único mestre para todos os caminhos da
salvação.
Enquanto
ele me mostrava todas essas coisas e me ensinava, eu ia anotando nos
Evangelhos, em minha Bíblia, os pontos que ele indicava. Isto me pareceu muito
digno de nota e instrutivo, e eu o agradeci muito. Depois continuamos nossa
rota em silêncio por mais cinco dias. Meu companheiro começou a sofrer
violentamente dos pés, sem dúvida porque não estava acostumado a caminhar
constantemente. Assim, ele alugou uma carroça e um par de cavalos e convidou-me
a ir com ele. Foi desta forma que chegamos até estas vizinhanças onde estivemos
por três dias, para podermos, uma vez recuperados, partirmos para Anzersky para
onde ele deseja ardentemente ir.
O
estaroste: Seu amigo é esplêndido. A julgar
por sua piedade, deve ser muito instruído. Eu gostaria de vê-lo.
O
peregrino: Estamos juntos. Eu o trarei
amanhã. Agora já se faz tarde. Adeus.
SEXTO RELATO
O peregrino: Como lhe prometi
ontem, pedi ao meu venerável companheiro de viagem, que me concedeu o favor de seus
conhecimentos espirituais, e a quem você desejava ver, que me acompanhasse até
aqui.
O estaroste: Será muito agradável
para mim, e também, espero, para meus veneráveis visitantes, estarmos juntos de
vocês para ouvirmos o relato de suas experiências. E aonde estiverem dois ou
três reunidos em nome de Jesus Cristo, ele próprio estará também. Ora, aqui
estamos os cinco em seu nome, e assim ele não deixará de nos abençoar com mais
abundância ainda. A história que o seu companheiro de viagem contou-me ontem,
caro irmão, a respeito de sua ardente adesão ao santo Evangelho, é deveras
digna de nota e muito instrutiva. Seria interessante sabermos de que maneira
este segredo bendito lhe foi revelado.
O professor: Deus cheio de amor,
que deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da
verdade, revelou-me, em sua bondade, de modo maravilhoso e sem nenhuma
intervenção humana. Durante cinco anos eu fora professor e levava uma vida
melancólica e dispersa, cativado pela vã filosofia do mundo, e não seguia a
Cristo. Talvez eu tivesse perecido, se eu não fosse parcialmente sustentado
pelo fato de viver com minha piedosa mãe e minha irmã, uma jovem de espírito
maduro. Um dia em que flanava pelo passeio público, conheci um ótimo rapaz que
me disse ser francês e estudante, chegado a pouco de Paris, e que estava à
procura de uma colocação como preceptor. Sua alta cultura me encantou e, como
ele era estrangeiro neste país, eu o convidei e vir morar comigo e nos tornamos
amigos. Durante dois meses vimo-nos com frequência passeávamos juntos,
divertíamo-nos e íamos juntos a companhias cuja moralidade não preciso
destacar.
Um
dia, meu amigo chegou com um convite deste tipo; e, para persuadir-me mais
depressa, pôs-se a louvar a alegria e o frescor da companhia para a qual me
convidava. Depois de ter falado um pouco, pediu-me para que saíssemos de seu
gabinete de trabalho em nos achávamos e fôssemos nos sentar no salão. Isto me
pareceu estranho; disse-lhe que nunca antes notara de sua parte nenhuma
reticência em permanecer em meu escritório, e perguntei-lhe o porquê disto
agora. Acrescentei que o salão era pegado aos aposentos ocupados por minha mãe
e minha irmã, e que seria inconveniente que tivéssemos lá esse tipo de
conversação. Ele insistiu sob diversos pretextos, e enfim confessou abertamente
o seguinte: “Dentre os livros de sua prateleira, ali, existe um exemplar dos
Evangelhos; eu tenho tamanho respeito por este livro que tenho vergonha de
falar de nossos negócios escusos em sua presença. Tire-o daqui, para que
possamos conversar livremente.” Frivolamente, sorri com suas palavras. Tirando
o Evangelho da prateleira disse: “Você devia ter-me falado disto há mais
tempo.” Eu o estendi a ele, dizendo: “Pois bem, coloque você mesmo em qualquer
lugar na outra sala.” Mal toquei-o com o Evangelho, e ele começou a tremer e,
num instante, desapareceu.
Isto
me deixou a tal ponto estupefato que, aterrorizado, tombei inconsciente.
Ouvindo o ruído, a governanta acorreu e, por mais de meia hora, tentou sem
sucesso reanimar-me. Quando finalmente voltei a mim, estava apavorado e
tremendo, e sentia-me completamente aturdido, com as mãos e os pés insensíveis
a ponto de não poder movê-los. O médico diagnosticou uma paralisia consequência
de choque ou terror violento. Fiquei imobilizado por todo um ano depois deste
incidente, e, apesar dos cuidados mais diligentes de muitos médicos, não
obtinha nenhum progresso, de tal modo que, à força de minha doença, fui
obrigado a renunciar à minha ocupação. Minha mãe, já velhinha, morreu por esta
época e minha irmã preparava-se para tomar o hábito, e tudo isto agravou muito
minha situação. Eu não tinha outro consolo durante este período do que ler os
Evangelhos, que minhas mãos não deixavam desde o começo de minha doença. Era
uma espécie de prova do evento fantástico que me acontecera. Um dia, um
anacoreta que eu não conhecia veio me ver. Ele fazia uma coleta para seu
mosteiro. Falou-me de modo muito persuasivo, dizendo-me que eu não deveria
contar apenas com os remédios, que estes não trariam alívio sem a intervenção
de Deus, que eu deveria orar a Deus e pedir diligentemente por minha causa
específica, pois a oração era o modo mais poderoso de cura de todos os males,
tanto corporais como espirituais.
“Como
você espera que eu reze nesta situação, quando não tenho força sequer para o
menor gesto de veneração, nem mesma para erguer a mão para persignar-me?” -
respondi-lhe perplexo.
Ele
me respondeu:
“Reze,
custe o que custar; reze de um modo ou de outro.”
Mas
ele não foi mais longe do que isto, nem me explicou realmente como rezar.
Quando meu visitante deixou-me, comecei quase que involuntariamente a pensar na
oração, no seu poder e nos seus efeitos, lembrando em meu espírito a instrução
religiosa que recebera há muito tempo, quando ainda era estudante. Isto
ocupou-me com doçura, renovou meus conhecimentos sobre assuntos religiosos e
aqueceu meu coração. Ao mesmo tempo, comecei a sentir uma certa melhora no meu
estado. Como o livro dos Evangelhos estava sempre comigo, tamanha era minha fé
nele depois o milagre, e como lembrava-me que todas as exposições que já ouvira
sobre a prece nos cursos eram fundamentadas nos textos dos Evangelhos, pensei
que a melhor coisa a fazer seria um estudo da oração e da espiritualidade
cristã apenas a partir dos ensinamentos do Evangelho. Trabalhando para resgatar
este sentido, mergulhei numa fonte abundante e nela encontrei um método
completo da vida espiritual e da verdadeira oração interior. Marquei com fervor
as passagens relativas a este respeito e, desde este dia, procurei zelosamente
aprender este ensinamento divino e, com toda minha força mas não sem
sofrimento, colocá-lo em prática.
Enquanto
estava ocupado desta maneira, minha saúde melhorou pouco a pouco e acabei por
me restabelecer completamente, como vocês podem constatar. Ainda vivia só e
decidi agradecer a Deus por sua paternal bondade, à qual devia o
restabelecimento de minha saúde e a iluminação de meu espírito, seguindo o
exemplo de minha irmã e o desejo de meu coração de me consagrar à vida
solitária, para poder, sem restrições, receber e tornar minhas essas palavras
da vida eterna que recebia pelo Verbo de Deus. Eis-me aqui, portanto, a caminho
de Anzersky, perto do mosteiro de Solovetsky no mar Branco. Ouvi de fonte
fidedigna que se trata de um local muito indicado para a vida contemplativa.
Devo dizer-lhes ainda o seguinte: o santo Evangelho tem me trazido numerosas
consolações durante esta viagem, espalhando uma luz abundante em meu espírito
ignorante e aquecendo meu coração enregelado. Mas o fato é que, apesar de tudo,
eu reconheço francamente minha fraqueza e admito de bom grado que as condições
requeridas para o trabalho espiritual e para atingir a salvação, a necessidade
de renúncia total de si mesmo, o despojamento e a humildade que o Evangelho
exige, assustam-me pela sua grandeza e por causa da fraqueza de meu coração, de
tal maneira que me encontro hoje entre a esperança e a desesperança. Não sei o
que será de mim no porvir.
O monge: Com uma prova tão evidente
da misericórdia de Deus, e em razão de sua educação, seria imperdoável, não
apenas tornar-se presa do desencorajamento, mas mesmo admitir em sua alma a
menor sombra de dúvida quanto à proteção e a ajuda de Deus. Sabe o que
Crisóstomo, iluminado por Deus, disse a respeito? “Ninguém deve desencorajar-se,
ele ensina, e dar a falsa impressão de que os preceitos do Evangelho são
impossíveis e impraticáveis. Deus, que predestinou o homem para a salvação,
evidentemente não dispôs mandamentos que o homem fosse forçado a transgredir
devido ao seu caráter impraticável – não, mas sim para que, por sua santidade e
sua necessidade para uma vida verdadeira, eles pudessem ser uma bênção para
nós, tanto nesta vida como na eternidade.” Bem entendido, o cumprimento regular
e inflexível dos mandamentos de Deus é coisa extraordinariamente difícil para
nossa natureza decaída, e é por isso que não é fácil alcançar a salvação, mas
este mesmo Verbo de Deus que impõe os mandamentos oferece também os meios, não
apenas de cumpri-los com facilidade, mas ainda de encontrar nisto a satisfação.
Se isto está oculto à primeira vista atrás de um véu de mistério, é
naturalmente para que tenhamos mais humildade e para sermos mais facilmente
conduzidos à união com Deus, indicando-nos o recurso direto a ele na prece e o
apelo ao seu auxílio paternal. É aí que se acha o segredo da salvação, e não no
recurso aos nossos próprios esforços.
O peregrino: Como eu gostaria,
fraco e incapaz como sou, de obter o segredo que me permitisse, nem que fosse
só numa certa medida, consertar minha vida indolente, para glória de Deus e
minha própria salvação!
O monge: Você conhece o segredo,
caro irmão, por meio deste livro, a Filocalia. Ele está nesta prece incessante,
que você estudou de forma tão resoluta e na qual pôs tanto zelo e encontrou
tanta satisfação.
O peregrino: Eu me ponho aos seus
pés, meu Pai. Pelo amor de Deus, faça-me ouvir de seus lábios algo para meu
bem, sobre este mistério salvador da santa prece que eu busco ouvir acima de
tudo, e sobre o qual aprecio tanto ler os comentários, para dar alguma força e
consolo à minha alma pecadora.
O monge: Não posso satisfazer ao
seu desejo com minhas próprias reflexões sobre este assunto tão grave, pois eu
mesmo tenho disto pouca experiência. Mas eu possuo algumas notas redigidas com
clareza por um autor espiritual e que dizem respeito precisamente a esta
questão. Se seus amigos o consentirem, vou procurá-lo e, com sua permissão,
lerei para que todos ouçam.
Todos: Tenha esta bondade, Pai; não
nos esconda uma ciência tão salutar.
***
O SEGREDO DA SALVAÇÃO
REVELADO PELA PRECE PERPÉTUA
Como ser salvo? Esta piedosa
pergunta coloca-se naturalmente diante do espírito de todo cristão que se dá
conta ao mesmo tempo das feridas e da decadência de sua natureza humana, e
daquilo que ainda lhe resta de sua tendência original para a verdade e a
virtude. Qualquer um que tenha a menor fé na imortalidade e nos acontecimentos
da vida futura é involuntariamente chamado a pensar: “Como posso ser salvo?”
Quando ele procura uma resposta a esta questão, ele se dirige aos sábios e aos
eruditos. Depois, sob sua direção, ele lê as obras escritas a respeito por
autores espirituais e se põe a seguir inflexivelmente as regras que aprendeu.
Em todas estas instruções, ele encontra constantemente, como condições
necessárias para a salvação, a vida na fé e as lutas heróicas contra si mesmo
que devem culminar com uma virada decisiva. Tudo isso deve conduzi-lo a
empenhar-se nas obras da fé, cumprindo com constância os mandamentos de Cristo,
e assim dando testemunho de uma fé firme e inquebrantável. Ademais, ele aprende
que todas essas condições de salvação devem necessariamente ser cumpridas com a
mais profunda humildade e devem também estar associadas umas às outras. Pois
todas as virtudes dependem umas das outras e devem assim fortificar-se
mutuamente, devem completar-se, uma encorajando a outra, do mesmo modo como os
raios do sol não revelam sua força e não acendem uma vela se não os reunirmos
num mesmo ponto com o auxílio de uma lupa. De outro modo, aquele que for infiel
nas pequenas coisas também o será nas grandes.
Por outro lado, para implantar em
si a maior exigência desta virtude complexa e unificada, ele escuta os maiores
elogios sobre a beleza da virtude, e ouve denunciar a desagregação e as
misérias do vício. Tudo isto fica gravado em seu espírito pelas promessas
verossímeis de recompensas grandiosas ou de punições atrozes na vida futura.
Este é o caráter da predicação nos tempos modernos.
Guiado desta maneira, o homem que
deseja ardentemente a salvação apressa-se com alegria em executar aquilo que
ele aprendeu e a experimentar as coisas que leu e ouviu. Mas, o que se vê?
Desde o primeiro passo, ele percebe que será impossível cumprir com suas
intenções. Ele vê desde logo, e constata no primeiro ensaio, que sua natureza
doentia e enfraquecida supera as convicções de seu espírito, que sua liberdade
se torna escravidão, sua propensões são pervertidas e sua força espiritual se
revela pura fraqueza. Vem-lhe então um pensamento natural: não existirá um meio
que lhe permita cumprir aquilo que a lei de Deus requer de si, como pede a
caridade cristã, e do qual se utilizaram todos aqueles que alcançaram a
salvação e a santidade? Então, e para conciliar em si as exigências de sua
consciência com a falta de força para cumpri-las, ele chama outra vez os
pregadores da salvação e lhes pergunta: “Como fazer minha salvação? Como
justificar minha incapacidade em preencher suas condições? Aqueles que me
ordenaram tudo aquilo que aprendi, são eles fortes para colocar tudo em
prática?”
-
Pergunte a Deus. Ore a Deus. Reze para obter seu
auxílio.
“Neste caso não seria mais
proveitoso, conclui nosso homem, tanto desde o início como todo o tempo,
estudar a oração, a única que provê toda a força que pode exigir uma vida
espiritual?” Ele então se dedica a estudar a oração; ele lê, medita, e estuda
os ensinamentos daqueles que escreveram a respeito. Na verdade, ele encontra
ali muitos pensamentos luminosos, profundos conhecimentos e palavras cheias de
poder. Um trata magnificamente da necessidade da prece, outro escreve sobre seu
poder, seu efeito benéfico, outro ainda sobre a prece enquanto dever, outro
sobre o zelo que ela exige, ou ainda sobre a atenção, o calor no coração, a
pureza de espírito, a reconciliação com os inimigos, a humildade, a contrição e
outras condições necessárias. Mas o que é a prece em si? Como se faz para
realmente orar?
É muito raro encontrar para estas
questões primordiais e urgentíssimas uma resposta precisa que qualquer um possa
entender, de tal maneira que quem se questiona ardentemente sobre a oração
ainda é deixado diante de um véu de mistério. Tudo o que ele leu, em geral, só
lhe permite conhecer um lado da oração que, embora piedoso, permanece exterior,
e ele acaba por concluir que a prece consiste em ir à igreja, persignar-se, inclinar-se,
prosternar-se, ler os salmos, os cânones e os hinos acatistas[24].
Esta é a ideia que fazem da oração todos os que não conhecem os textos dos
santos Padres sobre a oração interior e a ação contemplativa.
Ao cabo de tudo isso, nosso
pesquisador um dia encontra um livro que se chama Filocalia,
no qual vinte e cinco Padres expõem, numa forma acessível, o conhecimento
científico da verdade e a essência da prece do coração. Então começa a
erguer-se o véu que encobria o segredo da salvação e da prece. Ele vê que na
realidade orar significa dirigir sem trégua seu pensamento e sua atenção à
lembrança de Deus, caminhar em sua presença, despertar em si seu amor pensando
nele, associando o nome de Deus à sua respiração e às batidas de seu coração.
Ele é guiado em tudo isso pela invocação com os lábios do santíssimo nome de
Jesus Cristo, ou pela recitação da prece de Jesus todo o tempo e em todo o
lugar, durante todas as suas ocupações e sem nunca parar. Estas verdades
luminosas, aclarando o espírito do nosso pesquisador e abrindo-lhe o caminho do
estudo e do cumprimento da oração, ajudam-no a começar a praticar em seguida estes sábios
ensinamentos. Entretanto, em suas primeiras tentativas, ele ainda fica às
voltas com muitas dificuldades até que um mestre experiente lhe mostre (neste
mesmo livro) toda a verdade -ou seja, que somente a prece ininterrupta é
eficaz, tanto para perfazer a oração interior como para a salvação da alma. É a
frequência da oração que fundamenta todo o método da atividade salvadora. Como
diz Simeão o Novo Teólogo: “Aquele que ora sem cessar faz a síntese de todo o
bem numa única coisa.” E para expor esta verdade em toda a sua plenitude, o
mestre a desenvolveu do seguinte modo:
Para a salvação da alma, a verdadeira
fé é antes de tudo necessária. A sagrada Escritura diz: “Sem a fé, é impossível
agradar a Deus.”[25]
Quem não tem fé será julgado. Mas, nas mesmas Escrituras, vemos também que o
homem não pode sozinho fazer nascer a fé em si, mesmo pequena, ainda menor do
que um grão de mostarda; que a fé não vem de nós, mas que ela é um dom de Deus;
e que a fé é um dom espiritual. Ela é dada pelo Espírito Santo. Se é assim, o
que é preciso fazer? Como conciliar a necessidade de fé do homem com a
impossibilidade de provocá-la humanamente? O modo de fazê-lo é revelado ainda
nas mesmas Escrituras: “Pedi, e se vos dará.” Os Apóstolos não podiam por si
sós suscitar neles a perfeição da fé, mas eles rezaram a Jesus Cristo, dizendo:
“Senhor, aumente a nossa fé”. Eis como se obtém a fé; este exemplo mostra como
se alcança a fé pela oração.
Para a salvação da alma, ao lado da
verdadeira fé, também são necessárias as boas obras, pois “a fé sem as obras é
morta”. O homem será julgado por suas
obras e não apenas por sua fé. “Se você quiser entrar na vida, observe os mandamentos;
não mate; não cometa adultério; não roube; não preste falso testemunho; honre
pai e mãe; ame seu próximo como a si mesmo”. E observe todos os mandamentos,
pois “aquele que observar a Lei mas transgredir um só mandamento é culpado de
todos.”[26]
É o que ensina o apóstolo Tiago. E o apóstolo Paulo, descrevendo a fraqueza
humana, diz: “Nenhuma carne será justificada pelas obras da Lei.” [27]
“Pois sabemos que a Lei é espiritual; mas eu sou carnal, sujeito ao pecado...
Pois a vontade está em mim, mas eu não encontro como fazer o que é bom... E o
mal que eu não queria fazer, eu faço... Pelo pensamento, eu me submeto à Lei de
Deus; mas, pela carne, à lei do pecado.” [28]
Como cumprir as obras prescritas pela
Lei de Deus, quando não se tem forças nem nenhum poder de observar os
mandamentos? É impossível fazê-lo, até que se peça, até que se reze para
obtê-los. “Vocês não têm porque não pedem”[29] ; esta é a razão que nos apresenta o
Apóstolo. E o próprio Cristo diz: “Sem mim vocês não podem nada.” E, quanto a
agir com ele, eis o que ele nos diz a respeito: “Permaneçam comigo como eu
permaneço com vocês; aquele que permanecer em mim e eu nele, este obterá os
frutos da abundância.” Mas permanecer com ele implica sentir continuamente sua
presença, invocar continuamente seu nome. “Tudo aquilo que pedirem em meu nome
eu lhes darei.” Assim a própria possibilidade de fazer o bem é dada pela
oração. Encontramos um exemplo disto no Apóstolo Paulo: três vezes ele orou
para vencer a tentação, dobrando o joelho diante de Deus Pai para que
fortalecesse nele o homem interior, e foi-lhe ordenado acima de tudo orar, e
orar de modo contínuo, a propósito de tudo.
Do que dissemos, segue-se que toda a
salvação do homem depende da prece, e é por isso que ela é primordial e
necessária, pois é através dela que a fé é vivificada e que as boas obras
aparecem. Numa palavra, com a oração tudo caminha com sucesso; sem a oração,
não se pode fazer nenhum ato de caridade cristã. Assim a exigência de que nossa
vida seja sem cessar, sempre e em toda parte, oferecida, provém exclusivamente
da oração. Para as demais virtudes, cada qual tem seu próprio tempo; mas no
caso da prece, nos é pedida uma ação ininterrupta: “Orai sem cessar”. É justo e
oportuno rezar sempre, e em qualquer lugar.
A verdadeira oração tem suas
condições. Ela deve ser oferecida com um espírito e um coração puros, com um
zelo ardente, uma atenção estrita, com temor e respeito, e com a mais profunda
humildade. Mas quem, em consciência, não admitirá que está longe de preencher
estas condições, e que oferece suas orações mais por necessidade, mais por
obrigação para consigo mesmo, do que por inclinação, deleite e amor à oração? A
este respeito, a sagrada Escritura diz que não está no poder do homem manter
seu espírito inquebrantável e purificar-se dos maus pensamentos, pois “os
pensamentos do homem são maus desde a juventude”, e porque só Deus pode nos dar
outro coração e um espírito novo, pois “o poder de fazê-lo está apenas em
Deus.” O apóstolo Paulo diz: “Meu espírito (ou seja, minha voz) está em oração,
mas minha inteligência permanece estéril.” [30]
“Nós não sabemos o que pedir em nossas orações.”[31],
afirma ainda. Resulta daí que somos incapazes, por nós mesmos, de oferecer a
verdadeira prece: em nossas orações, não conseguimos manifestar as propriedades
essenciais da verdadeira prece.
Se tamanha é a impotência do ser
humano, que possibilidades restam ainda à vontade e à força do homem para a
salvação da alma? O homem não pode adquirir a fé sem a oração; isto também se
aplica às boas obras. Mas a verdadeira oração em si não está ao seu alcance.
Que lhe resta fazer? Quanto lhe sobra ainda ao exercício da liberdade e da
força, para que ele possa não perecer, mas ser salvo?
Cada ação possui sua qualidade, e
esta qualidade só quem é livre para atribuir é Deus. Para que a dependência do
homem diante de Deus, da vontade de Deus, se manifeste mais claramente, e para
poder mergulhá-lo mais profundamente na humildade, Deus só atribuiu à vontade e
à força do homem a quantidade da oração.
Ele ordenou orar sem cessar, sempre, em todos os momentos e em todos os
lugares. É aí que se acha revelado o método secreto da verdadeira oração, ao
mesmo tempo da fé e do cumprimento dos mandamentos de Deus. É portanto a
quantidade das orações que está assinalada ao homem; a frequência da prece lhe
pertence e se acha sob o domínio da sua vontade. Este é o ensinamento dos
Padres da Igreja. São Macário o Grande diz que em verdade orar é o dom da
graça. Santo Eznik diz que a prece frequente torna-se um hábito, depois uma segunda
natureza, e que, sem invocar frequentemente o nome de Jesus Cristo é impossível
purificar o coração. Calixto e Inácio aconselham a invocação frequente,
contínua, do nome de Jesus, acima de todas as asceses e obras, pois a frequência
conduz a prece imperfeita à perfeição. O bem-aventurado Diádoco afirma que se
um homem invoca o nome de Deus tantas vezes quanto possível, ele não cairá no
pecado.
Quanta experiência e sabedoria existem
aí, e como essas instruções dos Padres estão próximas do coração! Com sua
experiência e simplicidade, eles lançam uma luz sobre os meios de conduzir a
alma à perfeição. E que contraste com as instruções morais da razão teórica!
Assim fala a razão: faça tais e tais boas ações, arme-se de coragem, empregue
sua força de vontade, convença a si próprio pensando nos felizes frutos da
virtude – por exemplo, purifique seu espírito e seu coração das ilusões do
mundo, substitua-as por meditações instrutivas, faça o bem, assim vocês serão
respeitados e encontrarão a paz; vivam segundo a razão e a consciência. Mas,
vejam! Apesar de toda a sua força, este raciocínio não alcançará seu objetivo
sem a oração frequente, sem invocar a ajuda de Deus.
Vamos agora a outros ensinamentos dos
Padres, e veremos o que eles dizem, por exemplo, sobre a purificação da alma.
São João da Escada escreve: “Quando o espírito está ensombrecido por
pensamentos impuros, afugente o inimigo repetindo inúmeras e ininterruptas
vezes o nome de Jesus. Você não encontrará nos céus nem na terra arma mais
poderosa e eficaz do que esta.” São Gregório o Sinaíta nos ensina: “Saibam que
ninguém pode por si só dominar seu espírito, e assim, quando surgirem os maus
pensamentos, invoquem o nome de Jesus muitas e ininterruptas vezes, e os
pensamentos se apaziguarão.” Que método simples e fácil! E no entanto ele é
verificável pela experiência. Que contraste com os conselhos da razão teórica
que se esforça com presunção em atingir a pureza por seus próprios esforços!
Uma vez anotadas essas instruções
fundamentadas sobre a experiência dos Padres, chegamos a uma conclusão sólida:
que o principal, o único e o mais simples método para atingir a salvação e a
perfeição espiritual é a frequência e o caráter ininterrupto da oração, por
fraca que seja. Alma cristã, se você não encontra em si mesma o poder de adorar
a Deus em espírito e em verdade, se seu coração não sente o calor e a doce
satisfação da oração interior, então aplique-se ao sacrifício da prece o quanto
você puder, porque isto só depende da sua vontade, e está dentro dos limites do
seu poder. Familiarize, antes de mais nada, o humilde instrumento dos seus
lábios com a invocação frequente e persistente da oração. Que eles invoquem o
nome de Jesus sempre e sem interrupção; não é um grande trabalho e está dentro
dos limites do poder de cada um. E é também o que vai ao encontro do preceito
do santo Apóstolo: “Por ele, ofereçamos sem cessar um sacrifício de louvor a
Deus, ou seja o fruto dos meus lábios que celebram seu nome.”[32]
É certo que a frequência da prece
forma um hábito e se torna uma segunda natureza. Ela traz, de tempos em tempos,
o espírito e o coração a um estado apaziguado. Suponhamos que um homem cumpra
sem parar e continuamente o único mandamento de Deus sobre a prece perpétua.
Por isso mesmo, ele terá cumprido com todos os outros mandamentos; de fato, se,
sem interrupção, em todo o tempo e em todas as circunstâncias, ele oferecer a
oração, invocando em segredo o santíssimo nome de Jesus (mesmo que de início
ele o faça sem ardor espiritual, nem zelo, e mesmo forçadamente), ele não terá
tempo para pensamentos vãos, para julgar a seu próximo, para desperdiçar seu
tempo nos prazeres do sentidos. Todo mau pensamento encontrará nele um
obstáculo ao seu desenvolvimento. Todo o ato culpável que o possa tentar não se
realizará, como se ele houvesse abandonado o espírito. O excesso de palavras e
as palavras inúteis serão rejeitadas e todas as faltas imediatamente varridas
da alma pelo poder misericordioso de uma invocação tão continuada do nome
divino. A prática frequente da oração o impedirá de praticar qualquer ação
culpável e o lembrará de sua vocação original: a união com Deus.
Veem agora a importância e a
necessidade da quantidade da oração? A frequência da oração é o único método
para se chegar à prece pura e verdadeira.
É a melhor e mais eficaz preparação para a prece, e o meio mais seguro
de atingir o objetivo da oração e a própria salvação.
Para convencê-los definitivamente da
necessidade e da fecundidade da oração frequente, notem que todo o desejo e
todo o pensamento de oração é obra do Espírito Santo, e a voz do anjo guardião;
e que o nome de Jesus invocado na oração contém em si mesmo um poder salvador
que existe e age por si mesmo. Assim, não fiquem perturbados com a imperfeição
ou a secura nas suas preces, e esperem com paciência o fruto da invocação frequente
do nome divino. Não escutem as insinuações daqueles que são inexperientes ou
insensatos, segundo os quais a invocação morna é uma repetição inútil, para não
dizer enjoativa. Não: o poder do nome divino e sua invocação frequente trarão o
fruto a seu tempo.
Um autor espiritual falou
magnificamente sobre isto: “Eu sei, disse ele, que para muitos pretensos
espirituais e sábios filósofos, que procuram em toda parte a falsa grandeza e
as práticas sedutoras através da razão e do orgulho, o simples exercício vocal
mas frequente de uma oração parece ter pouco significado, parece não passar de
uma ocupação inferior, quase uma criancice. Mas estes infelizes enganam-se e
esquecem o ensinamento de Jesus Cristo: “Se vocês não se converterem e não se
tornarem como criancinhas, vocês não entrarão no Reino dos Céus.”[33]
Eles elaboram por si mesmos uma ciência da oração sobre as fundações instáveis
da razão natural. Será que precisamos de tanta erudição, ciência e reflexão
para dizermos com um coração fervente: Senhor
Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim? Não foi nosso divino
Mestre em pessoa quem mais louvou esta oração frequente? Não foram recebidas
respostas magníficas e cumpridas magníficas obras apenas por meio desta curta
mas frequente oração? Alma cristã, afirme sua coragem, e não abandone a
incessante invocação de sua prece, mesmo que seu grito venha de um coração
ainda em guerra consigo mesmo e ainda meio preenchido pelo mundo. Pouco
importa! Persevere, não se deixe reduzir ao silêncio e não se perturbe. Sua
prece irá purificar-se sozinha pela simples repetição. Que sua memória não
esqueça o seguinte: “Aquele que está em vós é maior do que aquele que está no
mundo.”[34]
“Deus é maior que o nosso coração, e conhece todas as coisas”, diz o Apóstolo.
Depois dessas afirmações convincentes
de que a oração, tão poderosa para a fraqueza humana, é certamente acessível ao
homem e depende de sua própria vontade, decida-se, experimente, nem que seja
por um único dia, de início. Vigie-se e torne a frequência da prece tal que
mais tempo você passe, das vinte e quatro horas do dia, ocupado com a invocação
do nome de Jesus do que com todas as demais ocupações. E este triunfo da prece
sobre as ocupações mundanas mostrará, a seu tempo, que a jornada não foi
perdida, mas ganha para a salvação; que a oração frequente, na balança do
julgamento divino, fará contrapeso à sua fraqueza e às suas más ações, e
apagará os pecados desta jornada do memorial de sua consciência. Que ela
coloque seu pé sobre o degrau da virtude e lhe dê a esperança da santificação.
***
O
peregrino: Eu o agradeço de todo coração,
santo Padre. Ao ler este texto, você levou alegria à minha alma de pecador.
Peço-lhe, pelo amor de Deus, que me deixe copiar o que você nos leu; posso fazê-lo
em duas horas. Tudo o que você leu foi tão bom e reconfortante, pareceu-me tão
compreensível, tão claro ao meu espírito estúpido, como a própria Filocalia,
onde os Padres tratam do mesmo assunto. Veja, por exemplo, o que escreve João
de Cárpatos, na quarta parte da Filocalia: “Se você não tem a força necessária
para o domínio de si e as obras da ascese, saiba que Deus deseja salvá-lo pela
oração.” Mas como tudo isto está magnífica e claramente exposto no seu texto!
Eu o agradeço, diante de Deus, por nos tê-lo trazido e nos dado a conhecer.
O
professor: Eu escutei com toda atenção e
com muito prazer a sua leitura, meu Pai. Todos os argumentos que repousam sobre
uma estrita lógica são uma delícia para mim. Mas, ao mesmo tempo, parece-me que
eles colocam a possibilidade da prece perpétua na dependência de condições que
lhe sejam favoráveis e de uma solidão aprazível. Eu admito que a oração frequente
e incessante seja um meio poderoso e único para obter o socorro da graça divina
em todos os atos de santificação, e que ela está dentro dos limites das
possibilidades humanas. Mas trata-se de um método que só é praticável por quem
pode dispor de solidão e calma. Afastando-se dos negócios, das necessidades e
das distrações, é possível orar frequentemente e mesmo continuamente. Só é
preciso dar conta da própria indolência ou do obstáculo formado por seus
próprios pensamentos. Mas, quando se está ligado aos deveres e constantes
afazeres, quando se está em companhia barulhenta, não se pode realizar o desejo
de orar incessantemente devido às inevitáveis distrações. Por conseguinte, este
método da oração frequente, por depender de circunstâncias favoráveis, não pode
ser utilizado por todos, nem adaptar-se a todo mundo.
O
monge: Não é preciso chegar a semelhante
conclusão. O coração que foi instruído pela oração interior pode sempre invocar
o nome de Deus sem ser impedido por nenhuma ocupação corporal ou mental, a
apesar de não importa quanto barulho; aqueles que sabem disto o sabem por
inexperiência, e os que não sabem devem aprender por um treinamento
progressivo. Podemos dizer simplesmente e com toda confiança que nenhuma
solicitação exterior pode interromper a prece do homem que quer orar, pois o
pensamento secreto do homem não depende das condições exteriores e permanece
inteiramente livre em si mesmo. Podemos a qualquer momento despertá-lo e
dirigi-lo para a oração. A própria língua pode secretamente, e sem emitir
nenhum som, efetuar a prece na presença de inúmeras pessoas e durante todo o
tipo de ocupação. De resto, nosso negócios não são tão importantes e nossas
conversas tão interessantes que seja impossível encontrar um meio, por
instantes, de invocar o nome de Jesus, mesmo se o espírito ainda não estiver
treinado para a prece perpétua. Embora a solidão e a fuga para longe de um vida
dispersiva constituam condições favoráveis para a oração atenta e perpétua,
deveríamos ter vergonha da raridade de nossas orações, porque a quantidade e a frequência
estão à disposição de todo mundo, por fraco e ocupado que seja. Encontramos
exemplos cabais da prece entre homens que, carregados de obrigações, de deveres
urgentes, de responsabilidades e de trabalho, não apenas invocaram
constantemente o nome de Jesus Cristo, mas inclusive conseguiram por este meio
alcançar a prece interior e incessante do coração. Assim foi com o patriarca
Photius que, promovido do cargo de senador à dignidade patriarcal, ao mesmo
tempo em que governou o vasto patriarcado de Constantinopla, perseverava
continuamente na invocação do nome de Deus, e obteve assim a prece ininterrupta
do coração. Ou Calixto que, no monte Athos, praticou a prece perpétua ao mesmo
tempo em que mantinha suas atividades como cozinheiro. Ou Lázaro, de coração
simples, que, encarregado pela congregação de exercer um trabalho contínuo,
repetia sem interrupção, em meio às suas ruidosas ocupações, a oração de Jesus
e permanecia em paz. E muitos outros que também praticaram a invocação contínua
do nome de Deus.
Se
fosse realmente impossível orar no meio de tarefas absorventes ou no convívio
com os outros homens, não teríamos, evidentemente, recebido este mandamento.
São João Crisóstomo, em seus ensinamentos sobre a oração, fala assim: ninguém
deve responder que é impossível ao homem ocupado com as responsabilidades do
mundo e que não pode ir sempre à igreja, rezar. Em toda parte, aonde você
estiver, sempre você poderá erguer um altar a Deus em seu pensamento. Assim, é
oportuno orar durante os afazeres, em viagens, sentado à escrivaninha ou numa
tarefa manual. É possível rezar em toda parte e em todos os lugares, e se um
homem coloca diligentemente sua atenção sobre si mesmo, ele encontrará sempre
circunstâncias favoráveis à oração, se no mínimo ele estiver convencido de que
a oração deva constituir sua ocupação essencial e vir antes de qualquer outro
dever. E neste caso, bem entendido, ele organizará seus negócios com mais
decisão; nas conversas com os outros, ele manterá a brevidade, uma tendência ao
silêncio e uma falta de gosto pelas palavras inúteis. Ele não se inquietará
tolamente com as coisas tolas. E, por todos os seus meios, ele encontrará o
caminho da oração e da paz. Em uma vida organizada desta forma, todas as suas
ações, pelo poder da invocação do nome de Deus, serão logo marcadas pelo
sucesso, e ele chegará finalmente à invocação ininterrupta do nome de Jesus.
Ele saberá por experiência que a frequência da oração, este meio único de
salvação, está à disposição da vontade do homem, que é possível orar em todos
os momentos, em todas as circunstâncias e em todos os lugares, e ele conseguirá
então facilmente elevar-se da prece vocal frequente à prece mental e daí à
prece do coração que abre em nós o Reino de Deus.
O
professor: Eu admito que durante as
ocupações mecânicas é possível, e mesmo fácil, orar com frequência, e até
continuamente; pois o trabalho maquinal do corpo não exige uma aplicação mental
profunda nem muita reflexão, e é por isso que, enquanto o cumpre, o espírito
pode mergulhar na oração e os lábios o seguem. Mas se eu devo ocupar-me de
alguma coisa puramente intelectual, numa leitura atenta por exemplo, ou na
consideração de um grave problema, ou numa composição literária, como poderei
rezar com o espírito e os lábios? E, uma vez que a prece é antes de tudo uma
ação mental, como é possível, num mesmo instante, atribuir ao mesmo espírito
duas tarefas diferentes?
O
monge: A solução do seu problema não é
difícil se considerarmos que as pessoas que oram constantemente podem ser
divididas em três categorias: primeiro os iniciantes; depois, aqueles que já
fizeram algum progresso; e em terceiro lugar, os que estão bem exercitados. Os
iniciantes muitas vezes são capazes de experimentar, de tempos em tempos, um
impulso do pensamento e do coração para Deus, e de repetir orações curtas com
os lábios, mesmo durante um trabalho mental. Aqueles que fizeram progressos e
atingiram uma certa estabilidade mental podem exercitar-se em meditar ou
escrever na presença ininterrupta de Deus. Eis uma imagem para esclarecer:
suponha que um monarca severo e exigente ordene a você que componha um tratado
sobre algum assunto complicado, mas ao pé do trono e na sua real presença.
Embora você possa estar totalmente ocupado com seu trabalho, a presença do rei
que tem poder sobre você e que tem sua vida em suas mãos não poderia ser
esquecida um instante sequer, mesmo estando você pensando, refletindo e
escrevendo não na solidão, mas num lugar que lhe exige uma atenção e um
respeito especiais. Esta consciência da proximidade do rei exprime com muita
clareza a possibilidade de se dedicar à prece perpétua interior mesmo durante
um trabalho intelectual. Quanto aos que possuem um longo hábito ou que a graça
de Deus fez progredir da prece mental à do coração, eles não abandonam a sua
prece perpétua durante os exercícios intelectuais mais exigentes, e nem mesmo durante
o sono. Como nos disse o sábio: “Eu durmo, mas meu coração vela” (Ct., 5,2).
Aqueles que obtiveram esta espontaneidade do coração obtêm uma tal aptidão em
invocar o nome divino que a oração vigia por si mesma e todo o espírito é
transportado em uma corrente de prece incessante, qualquer que seja a condição
e por mais abstratas e intelectuais que sejam as ocupações do sujeito que ora
naquele mesmo momento.
O sacerdote:
Permita-me, Pai, dizer o que eu penso. Dê-me a palavra para que eu possa dizer
uma ou duas coisas. Ficou admiravelmente colocado, no texto que você nos leu,
que o único meio de se alcançar a salvação e a perfeição é a frequência da
prece, qualquer que seja. Mas eu não compreendo isto muito bem, e eis o que me
parece: que utilidade pode ter para mim invocar o nome de Deus continuamente
apenas com a língua, mas sem atenção e sem compreender o que eu digo? Isto não
passaria de uma vã repetição. O único resultado é que a língua prosseguirá
tagarelando e a atividade do espírito, sofrendo com isto em sua reflexão,
ficará desequilibrado. Deus não pede palavras, mas um espírito atento e um
coração puro. Não seria melhor oferecer uma oração, que seja curta, ou mesmo
rara, ou somente em momentos reservados, mas feita com atenção, com zelo e
calor, e com a devida compreensão? De outro modo, mesmo que digamos a oração
dia e noite, sem pureza mental isto não será um ato de piedade e não estaremos
fazendo nada por nossa salvação. Não estamos apoiados em nada senão numa
tagarelice exterior, da qual extraímos fadiga e cansaço, de tal maneira que no
final das contas a confiança na oração esfria e acabamos por rejeitar este
procedimento estéril. De resto, a inutilidade da prece com os lábios apenas
resulta daquilo que nos foi revelado pelas santas Escrituras, como por exemplo:
“Estas pessoas aproximam-se de mim com a boca e me honram com seus lábios, mas
seu coração está longe de mim.”[35] “Todos aqueles que me dizem: Senhor, Senhor, não
entrarão no Reino dos Céus.”[36] “Eu prefiro dizer cinco palavras com a minha inteligência
do que dizer mil palavras numa língua desconhecida.”[37] Tudo isto mostra a esterilidade da oração exterior e
desatenta da boca.
O
monge: Haveria uma certa verdade no seu
ponto de vista se eu não tivesse acrescentado à recomendação de orar coma boca
a necessidade de fazê-lo continuamente, e se a invocação do nome de Jesus
Cristo não tivesse um poder próprio e não obtivesse, por si só, o zelo e a
atenção como frutos de sua prática constante. Mas como a questão em pauta agora
é a frequência, a duração e o caráter ininterrupto da oração (embora no início
ela possa ser cumprida com desatenção ou secura), as conclusões que você tirou
indevidamente caem por si sós. Examinemos a questão mais de perto. Um autor
espiritual, após haver demonstrado o grande valor e o proveito que resulta da
oração frequente expressa em uma forma invariável, diz finalmente: “Muitas
pessoas supostamente esclarecidas consideram esta oferenda frequente de uma só
e mesma oração como inútil ou mesmo fútil, como uma ocupação mecânica e
insensata de ignorantes. Mas eles ignoram o segredo que é revelado por esta
prática aparentemente maquinal, eles não sabem que o movimento frequente dos
lábios torna-se imperceptivelmente um apelo sincero do coração, que ele se
infiltra na vida interior, torna-se uma felicidade, torna-se, por assim dizer,
natural à alma, levando-lhe e luz e o alimento e conduzindo-a à união com Deus.
Esses censores me fazem pensar em crianças a quem estamos ensinando o alfabeto
e a leitura. Quando elas ficam cansadas elas reclamam: “Não seria cem vezes
melhor irmos às colheitas, como papai, do que passar todo o dia a repetir
incessantemente be-a-bá, ou rabiscar todo o tempo com a caneta numa folha de
papel?”. A utilidade de saber ler e as luzes que daí resultam e que só podem
ser fruto deste penoso aprendizado das letras pelo coração, são para elas um
segredo velado. Da mesma forma, a invocação simples e frequente do nome divino
é um segredo velado para essas pessoas que não estão persuadidas dos seus
resultados e de seu enorme valor. Avaliando o ato de fé a partir da capacidade
de sua própria razão míope e inexperiente, eles esquecem que o homem é feito de
um corpo e uma alma.”
Por
exemplo, porque, quando deseja purificar sua alma, você começa por se ocupar do
corpo, fazendo-o jejuar, privando-o de alimento e de comidas estimulantes. É,
certamente, para que ele não possa ser um obstáculo ou, para dizer melhor, para
que ele possa tornar-se o meio de favorecer a pureza da alma e o discernimento
do espírito, para que a sensação constante da fome corporal o lembre de sua
resolução de buscar a perfeição interior e as coisas que agradam a Deus, e de
que nos esquecemos tão facilmente. E aprendemos por experiência que por meio do
ato exterior do jejum corporal realizamos o refinamento interior do espírito, a
paz do coração, e encontramos um instrumento para domar as paixões e um
aguilhão do esforço espiritual. Assim, por meio das coisas exteriores e
materiais, recebemos ajuda e proveito interior e espiritual.
Você
deve entender que o mesmo acontece com a prece frequente dos lábios, que com o
tempo atrai a oração interior do coração e favorece a união do espírito com
Deus. É vão imaginar que a língua, cansada desta repetição e desta árida falta
de compreensão, será levada a abandonar inteiramente, como coisa inútil, este
esforço exterior da oração. Não, a experiência nos prova exatamente o
contrário. Aqueles que praticaram a prece perpétua nos asseguram que o que
acontece é o seguinte: a pessoa que está resolvida a invocar sem cessar o nome
de Jesus, ou, o que vem a dar no mesmo, a dizer a oração de Jesus,
continuamente, experimenta no início uma série de dificuldades e tem que lutar
contra a preguiça; mas quanto mais ela trabalha com firmeza ao longo do tempo,
mais ela se familiariza com esta tarefa, imperceptivelmente, de modo que no
final os lábios e a língua adquirem uma tal capacidade de murmurar que, mesmo
sem nenhum esforço de sua parte, eles movem-se irresistivelmente e dizem a
prece sem ruído. Ao mesmo tempo, o mecanismo dos músculos da garganta fica tão
treinado que ao orar ele começa a sentir que o enunciado da oração é uma de
suas propriedades perpétuas e essenciais, e chega mesmo a sentir como se algo
lhe estivesse faltando cada vez que interrompe
a prece. Resulta assim que por sua vez o espírito começa a ceder, a dar
ouvidos a esta ação involuntária dos lábios e, por meio dela, desperta para a
atenção, que conduz a uma fonte de delícias para o coração, e daí à prece
verdadeira.
Vocês
veem assim o verdadeiro o benfazejo efeito da prece vocal frequente ou
contínua, exatamente o oposto do que imaginam as pessoas que nunca a praticaram
nem compreenderam. Quanto às passagens da Escritura que você invocou como apoio
à sua objeção, elas ficarão explicadas se fizermos um exame mais verdadeiro.
Jesus
Cristo denunciou a adoração hipócrita de Deus com a boca, a ostentação ou
ausência de sinceridade daqueles que clamam “Senhor, Senhor”, pois a fé dos
orgulhosos Fariseus não era senão da boca para fora, e sua consciência não a
justificava em nenhuma medida, nem eles a confessavam m seus corações. É a eles
que foram ditas estas coisas, e isto não se aplica ao fato de dizermos uma
oração a respeito da qual Cristo deu instruções diretas, explícitas e precisas.
“Os homens devem orar constantemente e nunca fraquejar.” Da mesma forma, quando
o apóstolo Paulo diz que ele prefere cinco palavras ditas com a inteligência do
que uma multidão de palavras sem pensamentos ou em uma língua desconhecida, ele
fala do ensinamento em geral, e não da prece em particular, a respeito da qual
ele diz com toda firmeza: “Assim eu desejo que os homens rezem por toda parte”[38], e o preceito fundamental vem dele: “Orai sem
cessar.”[39] Veem agora como a prece frequente é fecunda apesar
de toda sua simplicidade, e como a exata compreensão da Escritura exige uma
refletida consideração?
O
peregrino: Quão verdadeiro é isto, meu Pai!
Eu vi muitas pessoas que, de forma simples, sem as luzes de qualquer educação
que seja, e sem mesmo saber o que é a atenção, oferecem a prece de Jesus com a
boca e sem detenção. Eu os vi atingir o ponto em que seus lábios e sua língua
não podiam mais parar de dizer a oração. Elas lhes trazia alegria e iluminação,
e pessoas negligentes e fracas assemelhavam-se a ascetas formados e modelos de
virtude.
O
monge: A oração conduz o homem a um novo
nascimento, por assim dizer. Seu poder é tão grande que nada, nenhum grau de
sofrimento lhe pode resistir. Se vocês quiserem, irmãos, eu lerei como
despedida uma nota breve porém interessante que eu trago aqui comigo.
Todos:
Nós o escutaremos com o maior prazer.
***
O PODER DA ORAÇÃO
A oração tem tanto poder e força que
poderíamos dizer: “Ore, e faça o que quiser”, pois a prece o guiará para o ato
direito e justo. Para agradar a Deus, não é preciso mais do que amor. “Ame, e
faça o que quiser, diz santo Agostinho, pois aquele que ama verdadeiramente não
pode desejar nem fazer nada que não agrade ao amado.” Como a prece é a efusão e
a atividade do amor, dela podemos dizer por analogia: “Ore, e faça o que
quiser”, e você alcançará o objetivo da oração. Ela o iluminará.
Para melhor explicar em detalhe esta
questão, tomaremos alguns exemplos:
Ore,
e pense o que quiser: seus pensamentos serão purificados pela prece. Ela
lhe dará o discernimento; ela suprimirá e afastará todos os maus pensamentos. É
isto que afirma são Gregório o Sinaíta. Se você deseja exterminar os
pensamentos e purificar o espírito, este é seu conselho: “Expulse-os pela
oração.” Pois nada é capaz de dominar os pensamentos como a oração. São João da
Escada diz também a respeito: “Vença com o nome de Jesus os inimigos que se
apoderaram do seu espírito. Você não encontrará arma melhor do que esta.”
Ore,
e faça o que quiser. Seus atos agradarão a Deus e serão úteis e salutares.
A oração frequente, não importa a respeito do quê, jamais permanece sem fruto,
pois ela carrega em si o poder da graça, e porque “quem quer que invoque o nome
do Senhor será salvo.”[40]
Por exemplo: um homem que havia rezado sem sucesso e sem fervor obtém com esta
prece o discernimento e um desejo de arrepender-se. Uma mulher que amava o
prazer orava quando estava a sós e esta oração lhe mostrou o caminho da vida
virginal e da obediência aos ensinamentos de Cristo.
Ore,
e não tente vencer suas paixões com suas próprias forças. A oração as destruirá
em você, pois “aquele que está em vós é maior do que aquele que está no mundo”[41],
diz a santa Escritura. E são João de Cárpatos ensina que se você não tem o dom
do domínio sobre si, você não deve afligir-se mas saber que Deus lhe pede
apenas ser diligente na oração, e ela o salvará. Um caso que o demonstra é o do
estaroste de quem é dito na Vida dos Padres
que, quando caía no pecado, não se deixava desencorajar mas recorria à oração,
e por meio dela reencontrava seu equilíbrio.
Ore,
e não tema nada. Não tenha receio dos infortúnios, nem dos desastres. A
oração os afastará e o protegerá. Lembre-se de são Pedro, que tinha pouca fé e
afundou[42];
de são Paulo, que orava na prisão; do monge a quem a prece livrou dos assaltos
da tentação; da jovem que foi salva dos maus desejos de um soldado pela oração;
e de outros casos semelhantes que mostram a força, o poder e a universalidade
da prece em nome de Jesus.
Ore
de um modo ou de outro, mas ore sempre e não se deixe distrair por nada. A
oração arrumará tudo e o instruirá. Lembre-se das palavras dos santos João
Crisóstomo e Marcos o Asceta sobre o poder da oração. O primeiro declara que a
prece, mesmo oferecida por nós que somos cheios de pecados, nos purifica
imediatamente. O segundo diz: “Rezar de qualquer maneira está em nosso poder,
mas rezar com pureza é um dom da graça.” Ofereça portanto a Deus aquilo que
estiver ao seu alcance oferecer. Dedique-lhe primeiro a simples quantidade, que
está dentro das suas possibilidades, e Deus derramará a força divina em sua fraqueza.
A oração, ainda que seca e distraída, desde que contínua, criará um hábito,
tornar-se-á uma segunda natureza e se transformará na prece pura e luminosa, na
admirável oração de fogo.
Para concluir, note que, se o tempo
de sua vigilância e de sua oração se prolonga, simplesmente não lhe restará
mais tempo para realizar más ações, nem sequer para pensar nelas.
Veem vocês agora, quão profundos
pensamentos estão concentrados nesta sábia afirmação: “Ame, e faça o que
quiser”? Quanto conforto e consolo para o pecador esgotado por suas fraquezas e
que geme sob o fardo de suas paixões desgovernadas.
A oração. Eis o que nos foi dado como
meio de salvação universal, para fazer a alma crescer em perfeição. Isto é
tudo. Mas quando falamos de oração, deve ficar estabelecida uma condição. Ore sem cessar, é o mandamento do Verbo
de Deus. Por conseguinte, a oração revelará sua maior eficácia e todos os seus
frutos na medida em que for oferecida muitíssimas vezes, continuamente; pois a frequência
da prece depende indubitavelmente de nossa vontade, enquanto que a pureza, o
zelo e a perfeição da oração são dons da graça.
Assim, oremos tanto quanto possível.
Consagremos toda a nossa vida à oração, mesmo se de início ela esteja sujeita a
distrações. A prática frequente nos ensinará a atenção. A quantidade conduzirá
certamente à qualidade. “Se você quiser aprender a fazer direito seja lá o que
for, é preciso repeti-lo tanto quanto possível”, diz um velho mestre
espiritual.
***
O
professor: A oração é realmente uma grande
demanda, e sua repetição apaixonada é a chave que abre o tesouro da graça. Mas
quantas vezes eu estive em conflito comigo mesmo, entre o ardor e a preguiça!
Como eu ficaria feliz em encontrar o caminho da vitória, de poder determinar-me
e despertar para a prática contínua da prece!
O
monge: Muitos autores espirituais oferecem
diversos meios baseados num sólido raciocínio para estimular a diligência na
oração. Por exemplo:
-
eles o
aconselharão a impregnar seu espírito com as ideias da necessidade, da
excelência e da eficácia da oração para a salvação da alma;
-
adquira a firme
convicção de que Deus exige a oração de nós, de forma absoluta, e ordena que a
realizamos em toda parte;
-
lembre-se sempre
que, se você é preguiçoso e negligente para a oração, você não poderá realizar
nenhum progresso nos atos de caridade nem na obtenção da paz e da salvação, e
que por conseguinte você sofrerá inevitavelmente tanto os tormentos da terra
quanto os da vida por vir;
-
encoraje sua
resolução pelo exemplo dos santos que alcançaram, todos eles, a santidade e a
salvação pelo caminho da prece perpétua.
Embora
todos estes métodos tenham seu valor e resultem de um juízo são, a alma que ama
o prazer e que se abandona à irresponsabilidade, mesmo quando os admite ou
utiliza, raramente compreende seu alcance, pela seguinte razão: estes remédios
são amargos para seu paladar mimado e demasiado fracos para sua natureza
profundamente alterada. Pois poderá haver um cristão que ignore que ele deve
orar constante e diligentemente, que este é um dever estabelecido por Deus, que
nós somos prejudicados por nossa preguiça na oração, que todos os santos
rezaram com ardor e perseverança? Entretanto, é bem raro que saber disto traga
frutos. Todo homem que se observa vê bem que ele raramente dá ouvidos a estes
conselhos, e que, fora algumas raras reminiscências, ele leva todo o tempo uma
vida má e preguiçosa. Assim, em sua experiência e divina sabedoria, os santos
Padres, conhecendo a fraqueza da vontade e o excessivo amor pelo prazer do
coração humano, adotaram algumas disposições específicas, e com isto suavizaram
a prova e adoçaram a borda do cálice. Eles mostraram que o modo mais eficaz e
mais fácil de se desfazer da preguiça e da indiferença a respeito da prece
reside na descoberta, com a ajuda de Deus, da doçura e da imensidão do amor
divino, ao qual a oração permitirá responder.
Eles
aconselham a você meditar sempre que possível sobre o estado de sua alma, e ler
atentamente os escritos dos Padres a respeito. Eles fornecem a garantia
encorajadora de que estes deliciosos sentimentos interiores podem ser pronta e
facilmente atingidos pela prece, e dizem como eles são desejáveis. A alegria do
coração, o entusiasmo inefável, a leveza do coração, a paz profunda e a própria
essência da beatitude resultam todos da prece do coração. Mergulhando em
reflexões como esta, a alma fria e fraca inflama-se e fortifica-se, o ardor
pela oração a encoraja e ela é assim, de certa forma, tentada a por em prática
a oração. Como diz são Isaac o Sírio: “A felicidade é uma atração para a alma,
esta felicidade que nasce do florescimento da esperança no coração, e a
meditação sobre esta esperança é o bem estar do coração.” O mesmo autor diz
também: “esta atividade, desde sua origem até o fim, pressupõe de certa forma
um método e a esperança em seu cumprimento, e isto solicita à alma edificar uma
fundação para a tarefa a cumprir, ao mesmo tempo em que ela retira seu consolo
da visão do objetivo que ela se esforça em atingir.” Do mesmo modo, santo
Eznik, após haver descrito como a preguiça é um obstáculo à oração e recusado
certos erros sobre a maneira de fazer renascer o ardor pela prece, conclui
claramente: “Se não estamos prontos a desejar o silêncio do coração por nenhuma
outra razão, que seja no mínimo pela delícia que a alma experimenta e pela
felicidade que ela traz.”
Vemos
assim que este sábio apresenta o sentimento de felicidade como um encorajamento
à oração assídua; e Macário o Grande, do mesmo modo, ensina que nossos esforços
espirituais (na oração) devem ser cumpridos com o desígnio de obter seus frutos
– ou seja, a felicidade do coração. Podemos encontrar exemplos claros deste
método em numerosas passagens da Filocalia
que descrevem em detalhe as delícias da oração. Quem está às voltas com a
preguiça ou a secura devem lê-las tantas vezes quanto possível, ao mesmo tempo
em que se considera indigno desta alegria e se repreende por ser tão negligente
na prece.
O
sacerdote: Será que tal meditação não
levará uma pessoa inexperiente à volúpia espiritual, como os teólogos denominam
esta tendência da alma ávida por consolações excessivas e agrados, e a não
aceitar cumprir seus trabalhos como uma obrigação despojada, sem sonhar com
recompensas?
O
professor: Parece-me que os teólogos, neste
caso, alertam contra o excesso ou a avidez da fruição espiritual, mas não
rejeitam de modo algum a alegria e a consolação da virtude. Pois se o desejo de
recompensa não é a perfeição, tampouco Deus proíbe ao homem de pensar na
felicidade e na consolação, e ele próprio utiliza a ideia de recompensa para incitar
os homens a cumprir os mandamentos e alcançar a perfeição. Honre a seu
pai e à sua mãe – este é o mandamento, e você
verá que a recompensa chega, como o chicote da obediência: e você estará
bem. Se você quiser ser perfeito, vá, venda tudo o que você possui, venha e
siga-me. É isto que a perfeição exige, e logo
após virá a recompensa, como motivação para alcançar a perfeição: e você
terá um tesouro nos céus. Bem-aventurado você será quando os homens o odiarem,
o perseguirem, ultrajarem e rejeitarem seu nome como infame por causa do Filho
do homem.[43]” Isto é o que exige o cumprimento do trabalho
espiritual: ele pressupõe uma força de alma pouco comum e uma paciência
inquebrantável. E é por isso que a recompensa e a consolação são grandes,
próprias para suscitar e manter esta força da alma; pois sua recompensa
será grande nos céus. Creio assim que um certo
desejo de plenitude na prece do coração é necessário e constitui provavelmente
o meio de alcançar tanto a diligência quanto o resultado. De sorte que isto
confirma indubitavelmente os ensinamentos práticos que ouvimos a respeito.
O
monge: Um verdadeiro teólogo – estou
falando de são Macário do Egito – escreve da maneira mais clara sobre esta
questão. Ele diz: “Quando você planta uma vinha, você consagra a ela seus
pensamentos e suas penas com o objetivo de colher a produção, ou, caso não o
faça, todo o seu trabalho terá sido inútil. O mesmo acontece com a oração: se
você não buscar o fruto intelectual – ou seja, o amor, a paz, a felicidade e o
resto - suas penas terão sido inúteis. É
por isso que devemos sempre cumprir com nossos deveres espirituais (a oração)
com o objetivo e a esperança de colhermos seus frutos, que são o reconforto e a
alegria do coração.” Vejam como o santo Padre responde claramente à nossa
questão sobre a necessidade da alegria na oração! E, de fato, vem-me ao
espírito um ponto de vista que li em um autor espiritual, não faz muito tempo.
Ele dizia algo assim: “O fato de que a prece é natural ao homem é a primeira
causa de sua inclinação para ela.” O exame desta característica natural, no meu
entendimento, pode servir como um poderoso meio de estimular o esforço na
oração, meio que o professor busca tão ardentemente.
Permita-me
resumir brevemente os pontos que ressaltei em minha leitura. Por exemplo, o
autor diz que a razão e a natureza conduzem o homem ao conhecimento de Deus. A
primeira verifica o axioma segundo o qual não pode haver ação sem causa, e,
subindo pela escada das coisas sensíveis da mais baixa à mais elevada, chega à
Causa primeira, Deus. A segunda manifesta a cada passo as maravilhas de uma
sabedoria, de uma harmonia, de uma ordem, e torna-se assim o ponto de apoio da
escada que conduz das coisas finitas ao infinito. De sorte que o homem natural
chega naturalmente ao conhecimento de Deus. É por isso que não existe nem
jamais existiu povo ou tribo bárbara que fosse totalmente desprovido do
conhecimento de Deus. Através deste conhecimento, o homem mais selvagem, sem
nenhum impulso exterior, volta por assim dizer sua atenção involuntariamente
para o céu, cai de joelhos, solta um grande suspiro que ele não compreende, e
tem o sentimento evidente de que existe algo que o atrai para o alto, algo que
o empurra para o desconhecido. Este é o fundamento de todas as religiões
naturais.
É
característico, a propósito, que universalmente a essência ou a alma de todas
as religiões consista na prece secreta, que se manifesta por uma certa forma de
atividade do espírito e como uma evidente oblação, ainda que mais ou menos
deformada pelo obscurantismo em que se encontra a inteligência dos povos
pagãos. Quanto mais este fato é surpreendente aos olhos da razão, mais é
importante para nós descobrirmos a causa oculta desta coisa maravilhosa que se
expressa por uma tendência natural à oração. A resposta psicológica para isto
não é difícil de encontrar. A raiz e a força de todas as paixões e ações
humanas são o amor inato do ser. O instinto de conservação profundamente
enraizado e universal confirma-o. Todo desejo humano, toda empresa humana, toda
ação tem como objetivo a satisfação do amor de ser, a busca do homem por sua
plenitude. A satisfação desta necessidade acompanha o homem natural por toda a
sua vida. Mas o espírito humano não se contenta apenas com o que satisfaz seus
sentidos, e o amor inato de ser não se detém jamais. E o desejo se desenvolve
sempre primeiro, o esforço para atingir a plenitude aumenta, enche a imaginação
e empurra o sentimento para um outro fim. O impulso deste sentimento e deste
desejo interior, na medida em que se desenvolve, é o estimulante natural da
oração. É a própria exigência do amor de ser quando se amplifica até o
infinito. Quanto menos o homem natural consegue alcançar a felicidade, mais a
persegue, mais aumenta seu desejo, e mais ele encontra na prece a saída para este
desejo. Ele recorre a ela para pedir aquilo que ele deseja à Causa desconhecida
de tudo o que existe. Assim, este amor inato de ser, elemento principal da
vida, é, mesmo no homem natural, o estimulante da oração. O infinitamente sábio
Criador de todas as coisas dotou a natureza do homem de uma aptidão para o amor
de ser, precisamente como uma “solicitação”, para usarmos uma expressão dos
Padres, que elevará o ser humano decaído até o contato com as coisas celestes.
Ah! Se o homem não tivesse degradado esta aptidão, se ele ao menos a tivesse
guardado em sua excelência, segundo sua vocação com sua natureza espiritual!
Ele poderia dispor de um meio eficaz para conduzi-lo sobre o caminho da
perfeição espiritual. Mas, enfim!, muitas vezes ele transforma esta nobre
aptidão em paixão egoísta quando a torna apenas o instrumento de sua natureza
animal.
O
estaroste: Eu os agradeço do fundo do meu
coração, caros visitantes. Sua conversa salutar foi para mim um grande consolo
e ensinou-me, em minha inexperiência, muitas coisas proveitosas. Que Deus lhes
traga a graça em pagamento pelo seu amor.
SÉTIMO RELATO
O
peregrino: Meu piedoso amigo professor e eu
não podemos resistir ao desejo de começarmos nossa viagem e, antes de mais
nada, viermos fazer-lhe uma curta visita para nos despedirmos e pedir-lhe que
ore por nós.
O
professor: Sim, nosso encontro foi um
grande bem para todos nós, assim como os entretenimentos espirituais dos quais
nos beneficiamos em companhia de todos os amigos. Guardaremos em nossos
corações a lembrança de tudo isto como uma garantia de amizade e amor cristão,
no distante país para onde vamos.
O
estaroste: Eu os agradeço por terem pensado
em mim. E, justamente, vocês chegaram em boa hora. Estou aqui com dois
viajantes, um monge moldavo e um eremita que viveu no silêncio da floresta por
vinte e cinco anos. Eles querem vê-los. Vou chamá-los.
O
peregrino: Ah! Como é uma bênção a vida
solitária! E como ela convém para levar a alma à união constante com Deus! A
floresta silenciosa é como um jardim do Éden aonde a árvore da vida cresce no
coração do recluso. Se eu pudesse, nada, creio eu, me impediria de praticar a
vida eremítica.
O
professor: Vistas de longe, todas as coisas
nos parecem desejáveis. Mas nós aprendemos pela experiência que toda situação,
malgrado suas vantagens, possui também seus inconvenientes. Certamente, para
quem é melancólico por temperamento e inclinado ao silêncio, a vida solitária é
um alívio. Mas quantos perigos existem nesta via! A história da vida ascética
fornece muitos exemplos que mostram que numerosos reclusos e eremitas, que se
separaram completamente da sociedade humana, foram vítimas de ilusões e de
graves seduções.
O
eremita: Estou surpreso de ouvir dizer com
tanta frequência, tanto na Rússia como nos mosteiros e mesmo entre leigos
tementes de Deus, que muitos daqueles que desejaram a vida eremítica ou a
prática da oração interior foram desviados desta inclinação por causa do temor
das seduções. Insistindo nisto, renunciamos um pouco apressadamente à vida
interior e afastamos os outros. No meu entendimento, isto provém de duas
causas: seja pela falta de compreensão da tarefa a cumprir e de uma certa luz
espiritual, seja por nossa própria indiferença quanto ao cumprimento
contemplativo e o temor ciumento de que outros, que julgamos em um nível
inferior, nos ultrapassem neste conhecimento superior. É lamentável que aqueles
que têm esta convicção não estudem o ensinamento dos santos Padres nesta
matéria. Os Padres, com efeito, ensinam com ênfase que nada devemos temer nem duvidar
quando invocamos a Deus. Se alguns foram realmente vítimas de ilusão, a causa
foi o orgulho ou o fato de não terem um pai espiritual ou ainda por tomarem as
aparências e a imaginação como realidade. Os Padres sublinham que, quando surge
um período de provas como estas, ele deve conduzir a uma experiência mais
consciente e à coroa da glória, pois Deus vem prontamente em auxílio quando ele
permite tais coisas. Seja corajoso. Eu estou com vocês, nada temam, diz Jesus Cristo.
É por
isso que é inútil temer e alarmar-se pela prece interior sob o pretexto de
correr o risco da ilusão. Pois uma humilde consciência dos pecados, a
sinceridade da alma para com o pai espiritual e a ausência de imagens durante a
oração constituem uma forte e segura defesa contra estas ilusões, das quais
alguns têm tamanho pavor que não ousam se aventurar na atividade espiritual. De
resto, estas pessoas encontram-se elas mesmas expostas à tentação, como no-lo
dizem as sábias palavras de Filoteu o Sinaíta: “Existem muitos monges, diz ele,
que não compreendem sua própria ilusão mental e afirmam que estão nas mãos dos
demônios – vale dizer, que eles só se consagram a um tipo de atividade: as boas
obras exteriores. Quanto à atividade espiritual, ou seja a contemplação
interior, eles quase não se preocupam com isto, por serem ignorantes e não
esclarecidos sobre este ponto.” “Se por um acaso eles ouvem outros dizerem que
a graça os transformou interiormente, por inveja eles só conseguem ver aí a
ilusão”, diz também Gregório o Sinaíta.
O
professor: Permitam-me colocar uma questão.
Certamente, a consciência do pecado advém a qualquer um que esteja atento a si
mesmo. Mas como proceder quando não dispomos de um pai espiritual capaz de nos
guiar a partir de sua própria experiência sobre o caminho da vida interior e,
quando lhe abrimos o coração, nos comunicar um conhecimento exato e digno de fé
sobre a vida espiritual? Neste caso, sem dúvida seria melhor não se engajar na
contemplação, ao invés de tentar a experiência por seus próprios meios, sem um guia?
Ademais, de minha parte, é difícil compreender como é possível, se estamos em
presença de Deus, observar uma completa ausência de imagens. Não é natural,
pois nossa alma ou nosso mental não conseguem se representar algo sem forma, um
vazio absoluto. E porque verdadeiramente, quando a alma está imersa em Deus,
não deveríamos nós nos representarmos Jesus Cristo ou a Santíssima Trindade, e
assim por diante?
O
eremita: Os conselhos de um pai espiritual
ou de um estaroste experiente nas coisas espirituais, a quem podemos abrir o
coração diariamente sem reservas, com confiança e proveito, e dizermos nossos
pensamentos e tudo o que encontramos no terreno da educação interior, são ao
condição primeira para praticar a prece do coração quando estamos engajados na
via do silêncio. Entretanto, nos casos em que não é possível encontrar um guia,
os santos que o prescrevem abrem uma exceção. Nicéforo o Monge dá a respeito
indicações precisas: assim, “durante a prática da atividade interior do
coração, é preciso um pai espiritual autêntico e experiente. Se você não
conhece um, é preciso procurá-lo diligentemente. Mas se ainda assim você não o
encontrar, então, implorando com contrição a assistência de Deus, busque
instruções e conselhos nos ensinamentos dos santos Padres e verifique-os pela
Palavra de Deus exposta nas Escrituras.” É preciso lembrar também que aquele
que procura com boa vontade e cheio de zelo pode obter lições úteis da parte de
pessoas comuns. Pois os santos Padres nos asseguram que, se perguntarmos até a
um Sarraceno, com fé e intenção reta, ele pode nos dizer palavras
aproveitáveis. Se ao contrário pedimos conselho a um Profeta, mas sem fé e sem
intenção reta, nem mesmo ele poderá nos satisfazer. Vemos um exemplo disto na
história de Macário o Grande do Egito, a quem um dia um simples camponês deu
uma explicação que pôs fim à sua angústia.
No
que concerne a ausência de formas – ou seja, o fato de não utilizarmos a
imaginação e não aceitarmos visões durante a contemplação, seja de uma luz, um
anjo, do Cristo ou de não importa qual santo, e de nos desviarmos destas
fantasmagorias – isto, bem entendido, é prescrito por Padres experientes, pela
seguinte razão: o poder da imaginação pode facilmente encarnar as
representações mentais, ou por assim dizer dar-lhes vida, de modo que pessoas
inexperientes poderiam ser facilmente atraídas por estas ficções, tomá-las como
visões da graça, e assim cair na ilusão, apesar das advertências da Escritura
santa que diz que o próprio Satã pode tomar a forma de um anjo de luz.
Que o
espírito possa com naturalidade e facilmente chegar a um estado de ausência de
imagens e nele manter-se, enquanto recorda a presença de Deus, vemo-lo bem
porque o poder da imaginação pode apresentar uma coisa de modo perceptível
neste vazio e dar consistência a esta representação. Assim, por exemplo, a
representação da alma, do ar, do calor ou do frio. Quando você sente frio, você
pode compor mentalmente uma ideia viva do calor, embora o calor não tenha
contornos, não possa ser objeto de visão e não possa ser medido pela sensação
física daquele que está exposto ao frio. Também da mesma forma a presença
espiritual e incompreensível de Deus pode ser conhecida pelo espírito e
identificada no coração em um absoluto vazio de formas.
O
peregrino: Nas minhas viagens, eu encontrei
muitas pessoas piedosas que buscavam a salvação, e que me disseram temer a vida
interior, que elas denunciavam como pura ilusão. Para muitos deles eu li, com
algum proveito, os ensinamentos de são Gregório o Sinaíta na Filocalia. Ele diz que a “ação do coração não pode ser uma
ilusão (contrariamente à do espírito), pois se o inimigo quisesse transformar o
calor do coração em seu próprio fogo descontrolado, ou substituir a felicidade
do coração pelos mornos prazeres dos sentidos, o tempo, a experiência e o
próprio sentimento desmascarariam o truque e a mentira, mesmo para aqueles
ainda não muito instruídos.” Ocorreu-me encontrar outros que, para grande
infelicidade, após haver conhecido a via do silêncio e da prece do coração,
foram atropelados por qualquer obstáculo ou pela preguiça pecaminosa, cederam
ao desencorajamento e renunciaram à atividade interior do coração que haviam
conhecido.
O
professor: Sim, e é muito natural. Eu mesmo
experimentei isto em certas ocasiões, quando perdi meu equilíbrio interior ou
cometi alguma falta. Pois, a partir do momento em que a prece interior é algo
sagrado, uma união com Deus, não seria sacrílego, e uma audácia a evitar, levar
uma coisa santa a um coração envilecido pelo pecado, sem tê-lo antes purificado
com uma penitência e uma contrição silenciosas, sem uma preparação conveniente
para retornar a Deus? É melhor estar mudo diante de Deus do que oferecer-lhe
palavras negligentes de um coração que está mergulhado nas trevas e na
confusão.
O
monge: É um grande erro pensar assim.
Trata-se do desencorajamento, ou seja do pior de todos os pecados e a principal
arma do mundo das trevas contra nós. O ensinamento dos Padres experientes é, a
respeito, totalmente diferente. Nicetas Stétatos diz que, mesmo se tiver
sucumbido e enterrado nas profundezas diabólicas do mal, ainda assim você não
deve desesperar, mas voltar-se depressa para Deus e ele lhe deterá prontamente
a queda de seu coração e lhe dará mais força do que antes. Depois de cada queda
e de cada ferida do coração pelo pecado, é preciso colocar imediatamente o
coração na presença de Deus para que ele o cure e purifique, exatamente como as
coisas que foram infectadas perdem sua virulência quando expostas por algum
tempo ao poder dos raios solares.
Muitos
autores espirituais exprimem-se de modo formal sobre este conflito interior com
os inimigos da salvação, nossas paixões. Você será mil vezes abençoado se de
modo algum abandonar a atividade que dá a vida e que é a invocação de Jesus
Cristo presente no coração. Nossos pecados, não só não deveriam nos desviar de
caminhar na presença de Deus e de cumprir a prece interior, pois do contrário
só nos restaria a inquietude, o desencorajamento e a tristeza, como deveriam ao
contrário nos voltar ainda mais para Deus. A criança que começa a caminhar
guiada por sua mãe volta-se para ela e se agarra fortemente a ela quando dá um
passo em falso.
O
eremita: De minha parte, considero que o
estado de desencorajamento, os pensamentos que inquietam, as dúvidas, são todos
despertados facilmente pela distração mental e pela incapacidade de preservar o
silêncio de nosso ser interior. Em sua divina sabedoria, os Padres de antanho
reportaram a vitória sobre o desencorajamento e receberam a iluminação e a
força pela esperança inquebrantável em Deus, pelo silêncio e a solidão, e nos
deram este sábio e precioso conselho: “Sente-se em silêncio em sua cela e ela
lhe ensinará tudo.”
O
professor: Eu tenho tanta confiança em
vocês que ficarei feliz em escutar sua crítica sobre meus pensamentos a
respeito do silêncio, que vocês louvam com eloquência, e sobre as benesses da
vida solitária que os eremitas tanto apreciam. Eis o que eu penso. Uma vez que
todos os homens, pela lei da natureza dada pelo Criador, estão colocados em
necessária dependência uns dos outros e devem desde cedo cooperar pela vida
afora, trabalhar uns para os outros e darem-se serviços mutuamente, esta
sociabilidade contribui ao bem estar da raça humana e manifesta o amor pelo
próximo. Mas o eremita silencioso que se retirou da sociedade humana, de que maneira pode ele, em
sua inatividade, servir ao próximo, e que contribuição pode ele trazer para o
bem estar da sociedade humana? Ele destrói por completo em si mesmo esta lei do
Criador que exige a união da humanidade no amor e a ação benfeitora tendo em
vista uma fraternidade universal.
O
eremita: Você possui uma falsa concepção do
silêncio, e as conclusões a que você chega não são justas. Vejamos isto em
detalhe. Em primeiro lugar: o homem que vive no silêncio e na solidão não
somente não vive na inação e no ócio, mas ele é ativo no mais alto grau, mais
ainda do que quem toma parte na vida em sociedade. Ele age incansavelmente
conforme os mais altos graus de sua inteligência; ele vela, ele medita; ele
concentra sua atenção sobre o estado do progresso de sua alma. Este é o
verdadeiro objetivo do seu silêncio. E na medida em que esta atitude favorece
seu próprio aperfeiçoamento, ela é proveitosa também para aqueles que não podem
praticar a concentração interior para desenvolver a vida de sua alma. Pois
aquele que vela em silêncio e que comunica suas experiências interiores, seja
em palavras, seja consignando-as por escrito, ajuda ao bem espiritual e à
salvação dos seus irmãos. Ele faz mais, e sobre um plano mais elevado, do que o
simples benfeitor, pois a simples caridade sentimental, no mundo, é sempre
limitada pelo pequeno número de benfeitorias feitas, enquanto que quem traz as
benfeitorias por ter experimentado interiormente meios convincentes de
cumprimento espiritual torna-se o benfeitor de nações inteiras. Sua experiência
e seu ensinamento se transmitem de geração em geração, como podemos ver, e nos
dias de hoje ainda tiramos proveito dos tempos antigos. E isto em nada difere
do amor cristão e inclusive o ultrapassa
nas suas consequências.
Em
segundo lugar: a preciosa e benéfica influência sobre seu próximo exercida pelo
homem que observa o silêncio não se manifesta apenas pela comunicação de suas
observações sobre a vida interior, mas também pelo exemplo e pela irradiação de
sua vida que pode despertar o profano para o conhecimento de si mesmo e
provocar nele um sentimento de veneração. O homem que vive no mundo e que ouve
falar de um recluso piedoso, ou que passa diante da porta de seu eremitério,
sente um apelo à vida espiritual, lembra-se daquilo que o homem pode vir a ser
sobre a Terra, e que lhe é possível retornar a este estado contemplativo
original do qual ele saiu pelas mãos do Criador. O silencioso ensina com seu
silêncio, e por sua própria vida ele faz o bem, edifica e convence a buscar a
Deus.
Santo
Isaac o Sírio exalta assim a importância do silêncio: “Se colocarmos de um lado
as ações desta vida e de outro o silêncio, veremos que este último desequilibra
a balança para o seu lado; não tome como iguais aqueles que desempenham
prodígios e milagres no mundo e aqueles que guardam o silêncio com todo o
saber. Amem o silêncio mais do que saciar as pessoas ávidas por este mundo.
Mais vale vocês se livrarem dos laços do pecado do que libertar os escravos de
sua servidão.” Mesmo os sábios estrangeiros reconheceram o valor do silêncio. A
escola filosófica dos neoplatônicos, que agregou diversos aderentes sob a
direção do filósofo Plotino, colocou em alto grau o desenvolvimento da vida
contemplativa, acessível especialmente pelo silêncio. Um autor espiritual disse
que ainda que um Estado atingisse o mais alto grau de aperfeiçoamento dos
costumes e da educação, ainda assim seria preciso encontrar homens para a
contemplação, independentemente das atividades habituais dos cidadãos, para que
seja preservado o Espírito de verdade e para que este, recebido dos séculos
anteriores, possa ser transmitido às gerações do futuro. Estes homens, na
Igreja, são os eremitas, os reclusos e os anacoretas.
O
peregrino: Creio que ninguém celebrou a
virtude do silêncio com mais justiça do que são João da Escada: “O silêncio,
diz ele, é mãe da prece, o retorno do cativeiro do pecado, o avanço invisível
para a virtude, uma ascensão contínua para o céu.” Sim, e o próprio Jesus, para
nos mostrar a vantagem e a necessidade da reclusão e do silêncio, deixava frequentemente
a pregação pública e se dirigia a locais solitários para aí orar e repousar.
Aqueles que contemplam silenciosamente são como os pilares que sustentam a
Igreja com sua prece secreta e contínua. Desde o mais longínquo passado, vemos
que muitos leigos fervorosos, e mesmo reis e cortesãos, visitaram os eremitas e
os homens que observavam o silêncio para lhes pedir suas orações a fim de serem
fortificados e salvos. Assim, o recluso silencioso pode servir a seu próximo e
agir para o bem e a felicidade da sociedade orando à parte.
O
professor: Eis de novo uma ideia que eu
tenho dificuldade em compreender. É um costume disseminado entre todos os
cristãos pedir orações uns aos outros, querer que outro reze por mim, e ter uma
confiança particular em um determinado membro da Igreja. Isto não é um pedido
feito por amor a si mesmo? Não será simplesmente que adquirimos o hábito de
repetir o que ouvimos os outros dizerem, uma espécie de fantasia sem nenhum
fundamento sério? Será que Deus precisa da intercessão de homens, ele que prevê
tudo e que age segundo sua santíssima providência e não segundo nosso desejo,
conhecendo e decidindo tudo antes que peçamos, como diz o santo Evangelho? Será
possível que a oração de muitos seja mais poderosa para trazer-nos suas
decisões do que a de uma só pessoa? Neste caso, Deus faria acepção de pessoas.
Será possível que as orações de outro possam me salvar, quando cada um de nós
deve ser louvado ou culpado a partir de seus próprios atos? Eis porque pedir
orações a outra pessoa consiste simplesmente, no meu entendimento, numa piedosa
manifestação de cortesia espiritual que traz as marcas da humildade e o desejo
de agradar por uma solicitação mútua, mas isto é tudo.
O
monge: Se só levarmos em conta as
considerações exteriores, com uma filosofia rudimentar, podemos ver as coisas
assim. Mas o julgamento espiritual, santificado pela luz da revelação e
aprofundado pelas experiências da vida interior, vai muito além, discerne do modo
mais profundo e revela misteriosamente algo de muito distinto daquilo que você
expôs. Para que possamos compreender isto mais depressa e mais claramente,
tomemos um exemplo, e verificaremos a seguir sua exatidão conforme a Palavra de
Deus.
Digamos
que um aluno venha a um professor para se instruir. Suas poucas capacidades, e
mais ainda sua preguiça e sua falta de concentração o impediram de ter sucesso
nos estudos, e ele foi colocado na categoria dos preguiçosos, daqueles que não
obtêm nenhum resultado. Afetado pelos fracassos, ele não sabe o que fazer, nem
como lutar contra seus defeitos. Ele encontra então um outro aluno, colega de
classe, mais dotado, diligente e bem sucedido, e lhe expõe suas preocupações. O
outro se interessa por ele e propõe trabalharem juntos. “Trabalhemos juntos,
diz ele, e seremos mais zelosos, mais felizes e obteremos mais sucesso.” E eles
se põem a estudar juntos, cada qual ensinando ao outro aquilo que melhor
compreendia. Eles tinham o mesmo trabalho. O que acontecerá depois de algum
tempo? O indiferente torna-se diligente; ele começa a gostar do seu trabalho,
sua negligência transmuda-se em ardor, sua inteligência se abre, o que exerce a
melhor influência possível sobre sua vontade e sua conduta. Quanto àquele que
era o mais inteligente, ele se torna ainda mais capaz e mais aplicado. Por esta
influência recíproca, eles obtiveram vantagens mútuas. E é natural, porque o
homem nasce em sociedade; é por intermédio dos outros que ele desenvolve sua
inteligência, melhora sua conduta, sua educação, sua vontade; em uma palavra,
ele recebe tudo da comunhão com seus semelhantes.
Assim,
como a vida dos homens consiste em relações estreitas e em fortes influências
de uns sobre outros, quem vive com uma certa classe de pessoas participa de seus
hábitos, sua conduta e seus costumes. Os homens frios tornam-se entusiastas, os
estúpidos refinam-se, os preguiçosos são arrastados à atividade pelo vivo
interesse que eles recebem do grupo. O espírito pode se aplicar ao espírito,
agir favoravelmente sobre um outro, atrair para a prece e a atenção. Ele pode
confortar no desencorajamento, afastar do vício, despertar a santidade. É assim
que, ajudando-se mutuamente, os homens se tornam mais fervorosos, mais ativos
espiritualmente e mais humildes. Eis o segredo da oração pelos outros, que
explica o piedoso costume de rezar pelo próximo e de pedir orações aos irmãos.
Isto
permite ver, não que elas agradem a Deus como as demandas e intercessões
numerosas agradam aos grandes deste mundo, mas que a prece, por sua própria
essência e seu poder, purifica e eleva a alma daquele por quem ela é oferecida,
e a prepara à união com Deus. Se a oração mútua daqueles que vivem sobre a
terra é tão benéfica, podemos deduzir do mesmo modo que a prece para os
desaparecidos é também mutuamente benéfica em virtude dos laços estreitos que
unem o mundo celeste e o nosso. É assim que as almas da Igreja terrestre podem
unir-se às da Igreja celeste ou, o que é o mesmo, os vivos unirem-se aos mortos
na unidade da Igreja.
Tudo
o que eu disse é uma argumentação psicológica, mas basta abrir a santa
Escritura para verificar sua exatidão.
Assim,
Jesus Cristo diz ao apóstolo Pedro: Eu rezei por você, para que sua fé
não falhasse. Vejam que a oração do Cristo, por
seu poder, fortificou o espírito de são Pedro e o encorajou quando sua fé foi
posta à prova. Do mesmo modo, quando o apóstolo Pedro estava na prisão, “a
Igreja orava a Deus sem cessar por ele.” Isto nos revela o auxílio que a prece
fraterna traz em circunstâncias difíceis da vida. Mas o preceito mais claro
sobre a prece pelos outros é dado pelo apóstolo Tiago: Confessem seus
pecados uns aos outros, e rezem uns pelos outros. A oração fervorosa e eficaz
de um homem virtuoso é uma grande benesse[44].
Eis a
clara confirmação dos argumentos psicológicos já expostos. E que dizer do
exemplo do apóstolo Paulo? Um autor observa que seu exemplo deveria nos ensinar
o quanto a prece mútua é necessária, pois até um asceta tão santo e forte
reconhecia ter necessidade desta ajuda espiritual.
Eis
como ele formula seu pedido na Epístola aos Hebreus: Orai por nós.
Estamos persuadidos de ter a consciência em paz, pois estamos decididos a
procurar o bem em tudo [45]. Quando consideramos, parece pouco razoável
permanecermos apenas com nossas próprias orações, enquanto um homem tão santo,
tão favorecido pela graça, pede, em sua humildade, que as orações do próximo –
no caso, os Hebreus – se juntem às suas. É por isso que, pela humildade e a
comunhão do amor, não devemos rejeitar ou desdenhar o socorro das orações, mesmo
do mais débil dos fiéis, quando o espírito iluminado do apóstolo Paulo não
manifestou a respeito nenhuma hesitação. Ele pede as orações de todos em geral,
sabendo que o poder de Deus se torna perfeito tanto na fraqueza quanto no amor.
Ele pode às vezes chegar à perfeição nos que parecem capazes de orar apenas
fracamente. Penetrados pela força deste exemplo, lembraremos ainda que a oração
mútua fortalece esta unidade do amor cristão ordenado por Deus, que ela
testemunha a favor da humildade espiritual daquele que faz a demanda, e que ela
move, por assim dizer, o espírito do que ora. É isto que encoraja a intercessão
mútua.
O
professor: Sua análise e suas provas são
admiráveis e justas, mas seria interessante que você nos desse a conhecer o
método e a forma real da oração pelos outros. Se a fecundidade desta prece
resulta de um interesse vivo pelo próximo e da influência constante daquele que
ora sobre o espírito do que solicitou a oração, este estado de alma não arrisca
distrair da presença ininterrupta de Deus e do derramamento da alma diante
dele? Se pensamos em nosso próximo uma ou duas vezes durante o dia, com
compaixão e pedindo a ajuda de Deus por ele, isto não basta para influenciar e
fortificar sua alma? Eu gostaria de saber exatamente como orar pelos demais.
O
monge: A oração oferecida a Deus por quem
quer que seja não deve nem pode nos afastar da presença de Deus, pois, se ela é
oferecida a Deus, e isto deve evidentemente acontecer em sua presença. Quanto
ao método, é preciso observar que o poder deste tipo de oração reside na
verdadeira compaixão cristã pelo próximo, e que ela age sobre sua alma na mesma
medida desta compaixão. Da mesma forma, quando nos acontece de nos lembrarmos
do próximo, ou num momento fixado para faze-lo, é bom introduzir sua presença
na presença de Deus, e oferecer a oração nos seguintes termos: “Deus
misericordioso, seja feita sua vontade que quer que todos os homens sejam
salvos e alcancem o conhecimento da verdade: salve e socorra a alma do seu
servidor N... Aceite este desejo que eu exprimo como um grito de amor, como foi
ordenado.”
Normalmente,
você repetirá esta frase cada vez que sua alma experimente o desejo, ou você
pode dize-la antes do terço. A experiência ensinou-me como ela é proveitosa
para aqueles por quem ela é oferecida.
O
professor: Suas concepções e seus
argumentos, a conversa edificante e os pensamentos que ela provoca são tais que
eu quero guardar tudo na memória como uma preciosidade, e expressar toda a
veneração e a gratidão de meu coração agradecido.
O
peregrino: Chegou a hora de partirmos. Do
fundo do coração pedimos suas orações pela nossa viagem e pela nossa amizade.
O
estaroste: Então que o Deus da paz, que no
sangue da eterna aliança ressuscitou dos mortos o grande Pastor das ovelhas,
Nosso Senhor Jesus, queira dispô-los ao
bem e lhes conceder que cumpram a sua vontade, realizando ele próprio em vocês
o que é agradável aos seus olhos, por Jesus Cristo, a quem seja dada a glória
por toda a eternidade[46]. Amém.
***
[1] É notório que os Relatos
ultrapassam todos os nacionalismos religiosos para reencontrar os caminhos da
espiritualidade ortodoxa do século XIX, ou seja o contato com Athos através das
terras romenas.
[2] Daí o exorcismo do anti-semitismo que contaminou a
cristandade russa no século XIX.
[3] Antiga medida de distância russa, correspondente a
1067 metros.
[4] Startsi
[plural de estaroste]: ancião, mestre
espiritual que adquiriu o discernimento dos espíritos e o dom da paternidade
espiritual.
[5] São João Cássio
[6] O Alojamento das Grutas, aonde os santos monges eram
enterrados.
[7] “Quando orardes, não façais como os hipócritas, que
gostam de orar de pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos
pelos homens. Em verdade eu vos digo: já receberam sua recompensa. Quando
orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu
Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á. Nas vossas orações, não
multipliqueis as palavras, como fazem os pagãos que julgam que serão ouvidos à
força de palavras. Não os imiteis, porque vosso Pai sabe o que vos é
necessário, antes que vós lho peçais.” (Mateus, VI, 5-8).
[8] “Eis como deveis rezar: PAI NOSSO, que estais no céu,
santificado seja o vosso nome; venha a nós o vosso Reino; seja feita a vossa
vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje;
perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos ofenderam;
e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.” (Mateus, VI, 9-13).
[9] “Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas,
vosso Pai celeste também vos perdoará. Mas se não perdoardes aos homens,
tampouco vosso Pai vos perdoará.” (Mateus, VI, 14-15).
[10] “Pedi, e se vos dará; buscai, e achareis; batei, e vos
será aberto. Porque todo aquele que pede, recebe; quem busca, acha; e a quem
bate, abrir-se-á.” (Mateus, VII, 7-8)
[11] “Foram em seguida para o lugar chamado Getsêmani, e
Jesus disse a seus discípulos: Sentai-vos aqui, enquanto vou orar. Levou
consigo Pedro, Tiago e João; e começou a ter pavor e a angustiar-se.
Disse-lhes: A minha alma está numa tristeza mortal; ficai aqui e vigiai.
Adiantando-se alguns passos, prostrou-se com a face por terra e orava que, se
fosse possível, passasse dele aquela hora. Aba! (Pai!), suplicava ele. Tudo te
é possível; afasta de mim este cálice! Contudo, não se faça o que eu quero,
senão o que tu queres. Em seguida, foi ter com seus discípulos e achou-os
dormindo. Disse a Pedro: Simão, dormes? Não pudeste vigiar uma hora! Vigiai e
orai, para que não entreis em tentação. Pois o espírito está pronto, mas a
carne é fraca. Afastou-se outra vez e orou, dizendo as mesmas palavras.
Voltando, achou-os de novo dormindo, porque seus olhos estavam pesados; e não
sabiam o que lhe responder.” (Marcos, XIV, 32-39).
[12] “Em seguida, ele continuou: Se alguém de vós tiver um
amigo e for procurá-lo à meia-noite, e lhe disser: Amigo, empresta-me três
pães, pois um amigo meu acaba de chegar à minha casa, de uma viagem, e não
tenho nada para lhe oferecer; e se ele responder lá de dentro: Não me
incomodes; a porta já está fechada, meus filhos e eu estamos deitados; não
posso levantar-me para te dar os pães; eu vos digo: no caso de não se levantar
para lhe dar os pães por ser seu amigo, certamente por causa da sua
importunação se levantará e lhe dará quantos pães necessitar. E eu vos digo:
pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Pois todo
aquele que pede, recebe; aquele que procura, acha; e ao que bater, se lhe
abrirá. Se um filho pedir um pão, qual o pai entre vós que lhe dará uma pedra?
Se ele pedir um peixe, acaso lhe dará uma serpente? Ou se lhe pedir um ovo,
dar-lhe-á porventura um escorpião? Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas
coisas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai celestial dará o Espírito Santo aos
que lho pedirem. (Lucas, XI, 5-13).
[13] “Propôs-lhes Jesus uma parábola para mostrar que é
necessário orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo. Havia em certa cidade um
juiz que não temia a Deus, nem respeitava pessoa alguma. Na mesma cidade vivia
também uma viúva que vinha com frequência à sua presença para dizer-lhe:
Faze-me justiça contra o meu adversário. Ele, porém, por muito tempo não o
quis. Por fim, refletiu consigo: Eu não temo a Deus nem respeito os homens;
todavia, porque esta viúva me importuna, far-lhe-ei justiça, senão ela não
cessará de me molestar. Prosseguiu o Senhor: Ouvis o que diz este juiz injusto?
Por acaso não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que estão clamando por ele
dia e noite? Porventura tardará em socorrê-los?” (Lucas, XVIII, 1-7).
[14] “Chegou, pois, a uma localidade da Samaria, chamada
Sicar, junto das terras que Jacó dera a seu filho José. Ali havia o poço de
Jacó. E Jesus, fatigado da viagem, sentou-se à beira do poço. Era por volta do
meio-dia. Veio uma mulher da Samaria tirar água. Pediu-lhe Jesus: Dá-me de
beber. (Pois os discípulos tinham ido à cidade comprar mantimentos.) Aquela
samaritana lhe disse: Sendo tu judeu, como pedes de beber a mim, que sou
samaritana!... (Pois os judeus não se comunicavam com os samaritanos.)
Respondeu-lhe Jesus: Se conhecesses o dom de Deus, e quem é que te diz: Dá-me
de beber, certamente lhe pedirias tu mesma e ele te daria uma água viva. A
mulher lhe replicou: Senhor, não tens com que tirá-la, e o poço é fundo...
donde tens, pois, essa água viva? És, porventura, maior do que o nosso pai
Jacó, que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu e também os seus filhos e
os seus rebanhos? Respondeu-lhe Jesus: Todo aquele que beber desta água tornará
a ter sede, mas o que beber da água que eu lhe der jamais terá sede. Mas a água
que eu lhe der virá a ser nele fonte de água, que jorrará até a vida eterna. A
mulher suplicou: Senhor, dá-me desta água, para eu já não ter sede nem vir aqui
tirá-la! Disse-lhe Jesus: Vai, chama teu marido e volta cá. A mulher respondeu:
Não tenho marido. Disse Jesus: Tens razão em dizer que não tens marido. Tiveste
cinco maridos, e o que agora tens não é teu. Nisto disseste a verdade. Senhor,
disse-lhe a mulher, vejo que és profeta!... Nossos pais adoraram neste monte, mas
vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar. Jesus respondeu: Mulher,
acredita-me, vem a hora em que não adorareis o Pai, nem neste monte nem em
Jerusalém. Vós adorais o que não conheceis, nós adoramos o que conhecemos,
porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora, e já chegou, em que os
verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade, e são esses
adoradores que o Pai deseja. Deus é espírito, e os seus adoradores devem
adorá-lo em espírito e verdade.” (João, IV, 5-25).
[15] “Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. O ramo não
pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Assim também vós:
não podeis tampouco dar fruto, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira;
vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque
sem mim nada podeis fazer. Se alguém não permanecer em mim será lançado fora,
como o ramo. Ele secará e hão de ajuntá-lo e lançá-lo ao fogo, e queimar-se-á.
Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis
tudo o que quiserdes e vos será feito. Nisto é glorificado meu Pai, para que
deis muito fruto e vos torneis meus discípulos.” (João, XV, 4-8)
[16] “Naquele dia não me perguntareis mais coisa alguma. Em
verdade, em verdade vos digo: o que pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo
dará. Até agora não pedistes nada em meu nome. Pedi e recebereis, para que a
vossa alegria seja perfeita.” (João, XVI, 23-24).
[17] “Mal acabavam de rezar, tremeu o lugar onde estavam
reunidos. E todos ficaram cheios do Espírito Santo e anunciaram com intrepidez
a palavra de Deus.” (Atos, IV, 31)
[18] “Alguém entre vós está triste? Reze! Está alegre?
Cante. Está alguém enfermo? Chame os
sacerdotes da Igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em
nome do Senhor. A oração da fé salvará o
enfermo e o Senhor o restabelecerá. Se ele cometeu pecados, ser-lhe-ão
perdoados. Confessai os vossos pecados
uns aos outros, e orai uns pelos outros para serdes curados. A oração do justo
tem grande eficácia.” (Tiago, V, 13-16.)
[19] “Mas vós, caríssimos, edificai-vos mutuamente sobre o
fundamento da vossa santíssima fé. Orai no Espírito Santo. Conservai-vos no
amor de Deus, aguardando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a
vida eterna.” (Judas, 20-21); e “Outrossim, o Espírito vem em auxílio à nossa
fraqueza; porque não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém, mas o
Espírito mesmo intercede por nós com gemidos inefáveis.” (Romanos, VIII, 26)
[20] “Intensificai as vossas invocações e súplicas. Orai em
toda circunstância, pelo Espírito, no qual perseverai em intensa vigília de
súplica por todos os cristãos.” (Efésios, VI, 18)
[21] “Não vos inquieteis com nada! Em todas as circunstâncias
apresentai a Deus as vossas preocupações, mediante a oração, as súplicas e a
ação de graças. E a paz de Deus, que
excede toda a inteligência, haverá de guardar vossos corações e vossos
pensamentos, em Cristo Jesus.” (Filipenses, IV, 6-7)
[22] “Orai sem cessar.” (I Tessalonicenses, V, 17)
[23] “Acima de tudo, recomendo que se façam preces, orações,
súplicas, ações de graças por todos os homens, pelos reis e por todos os que
estão constituídos em autoridade, para que possamos viver uma vida calma e
tranquila, com toda a piedade e honestidade. Isto é bom e agradável diante de
Deus, nosso Salvador, o qual deseja que todos os homens se salvem e cheguem ao
conhecimento da verdade. Porque há um só Deus e há um só mediador entre Deus e
os homens: Jesus Cristo, homem que se entregou como resgate por todos. Tal é o
fato, atestado em seu tempo.” (I Timóteo, II, 1-5)
[24] Cânticos da Igreja Ortodoxa em louvor a Maria.
[25] Hebreus, XI, 6.
[26] Tiago, II, 10.
[27] Romanos, III, 20.
[28] Romanos, VII.
[29] Tiago, IV, 20.
[30] I Coríntios, XIV, 14.
[31] Romanos, VIII, 26.
[32] Hebreus, XIII, 15.
[33] Mateus, XVIII, 3.
[34] João, IV, 4.
[35] Mateus, XV, 8.
[36] Mateus, VII, 21.
[37] I Coríntios, XIV, 19.
[38] I Timóteo, II, 8.
[39] I Tessalonicenses, V, 17.
[40] Atos, II, 21.
[41] I João, IV, 4.
[42] Mateus, XIV, 14-31.
[43]
Lucas, VI, 22.
[44]
Tiago, V, 16.
[45]
Hebreus, XIII, 18.
[46]
Hebreus, XIII, 20-21.
Muito obrigado Padre Tito
ResponderExcluir