Filocalia Tomo I Volume 1 - Cassiano o Romano


CASSIANO O ROMANO





AO BISPO CASTOR SOBRE OS OITO PENSAMENTOS DE MALÍCIA



AO HIGOUMENO LEÔNCIO, SERMÃO CHEIO DE BENEFÍCIOS ESPIRITUAIS A RESPEITO DOS PADRES DE SCETA E DO DISCERNIMENTO




































Cassiano o Romano





Nosso santo Padre Cassiano o Romano viveu no reinado de Teodósio, por volta do ano 430. Dentre as obras que ele escreveu, expomos aqui o tratado sobre os oito pensamentos e o tratado sobre o discernimento, que transpiram socorro e graça. Photius os menciona nos seguintes termos:



“O segundo tratado tem como título: “Sobre os oito pensamentos”. Ele trata da gula, da prostituição, da avareza, da cólera, da tristeza, da acídia, da vanglória e do orgulho. Mais do que quaisquer outros, estes textos vêm em auxílio daqueles que escolheram travar o combate da ascese; eu também li um terceiro pequeno tratado, no qual é ensinado o sentido do discernimento, que ele é a maior das virtudes, de onde nasce e o quanto ele representa o mais alto dom do alto.”



A Igreja celebra a memória de são Cassiano em 29 de fevereiro, honrando-o com muitos louvores.



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Cassiano não era romano de nascença. De “nação cita”, segundo Gennade de Marselha, ele nasceu perto do ano 360. Vinte anos depois, nós o encontramos na Palestina num mosteiro em Belém, de onde ele partiu para o Egito, atraído pelo grande renome dos Padres do deserto. Com seu amigo Germano, ele visitou os principais centros monásticos do Baixo Egito, em especial Nitria e as Kellia, antes de se fixar por muitos anos no deserto de Sceta. Cerca do ano 400, as controvérsias origenistas que perturbaram o deserto obrigaram à sua partida para Constantinopla, aonde ele foi ordenado diácono por são João Crisóstomo. Em 404, quando este foi expulso de sua cadeira, Cassiano partiu para Roma para interceder em seu favor perante o papa Inocêncio.



Chegando a Marselha em 415, Cassiano fundou aí a abadia de Saint-Victor e um convento de freiras. Foi para estas comunidades e para todas as da Provence que ele se dispôs a compor suas duas obras mais célebres, as Instituições cenobíticas e as Conferências espirituais, nos quais ele reporta os usos e ensinamentos dos monges do Egito. Estas obras fizeram grande sucesso não apenas no Ocidente mas também no Oriente. Temos razões para pensar que elas foram traduzidas ao menos parcialmente para o grego a partir do século V, pois, desde o século seguinte a compilação sistemática dos Apophtegma Patrum traduzida por Pelágio e João apresenta muitos extratos manifestamente traduzidos do grego. Os extratos contidos na Filocalia provêm, seja dos Livros V a XII das Instituições, seja das duas primeiras Conferências. O texto grego às vezes resume o original latino, às vezes o traduz por inteiro. É este texto grego da Filocalia que seguimos aqui.

























































DE SÃO CASSIANO O ROMANO AO BISPO CASTOR      
SOBRE OS OITO PENSAMENTOS DE MALÍCIA[1]





1. Após termos composto um primeiro sermão sobre as observâncias presentes nos mosteiros cenobíticos, apresentaremos agora, fortalecidos pelas preces de muitos de vocês, este texto sobre os oito pensamentos de malícia, a saber, a gula, a prostituição, o amor ao dinheiro, a cólera, a tristeza, a acídia, a vanglória e o orgulho.





Da continência do ventre



Trataremos primeiramente da continência do ventre que se opõe à gula, da medida dos jejuns, da qualidade e da quantidade dos alimentos. E não falaremos por nós mesmos, mas conforme a tradição dos santos Padres. Estes não nos legaram uma regra única para o jejum, nem um modo único de tomar a refeição, nem uma medida uniforme, pois nem todos possuem o mesmo vigor, nem a mesma idade, nem a mesma saúde, nem a mesma constituição física. Entretanto, o objetivo que foi transmitido a todos é o mesmo: fugir da saciedade e recusar absolutamente a repleção do ventre. Eles consideravam que o jejum cotidiano era mais benéfico e favorável à pureza do que um jejum prolongado de três ou quatro dias ou mesmo de uma semana. De fato, o prolongamento excessivo do jejum é, muitas vezes, pior do que o excesso de alimento. Pois na seqüência de uma abstinência imoderada o corpo está enfraquecido e não é mais assíduo das liturgias espirituais, enquanto que o corpo pesado pelo excesso de comida causa à alma a acídia e o relaxamento.



[5,2] Por outro lado, eles achavam que não convém a todos comer apenas legumes verdes ou secos e que nem todos podem se alimentar só de pão seco. Um, diziam eles, come duas libras de pão e ainda tem fome; outro fica saciado com uma libra ou mesmo com apenas seis onças. Assim, a todos, como foi dito, eles transmitiram uma única regra de continência: não ser traído pela saciedade do ventre[2], nem arrastado pelo prazer da boca. Pois não é somente a qualidade dos alimentos, mas também a quantidade que normalmente atiça os tragos inflamados da prostituição.



[5,6] De fato, qualquer que seja o alimento com o qual o ventre foi preenchido, ele engendra uma semente de prostituição. E não é somente o excesso de vinho que embriaga a razão, mas também a superabundância de água e o excesso de qualquer comida a tornam pesada e sonolenta. A ruína dos Sodomitas não foi causada pela embriaguez do vinho e o excesso de comidas variadas, mas, segundo o profeta, pela saciedade de pão[3].



[5,7] A fraqueza do corpo não é um obstáculo à pureza do coração, quando damos ao corpo o que a fraqueza exige, não o que o prazer deseja. É preciso utilizar os alimentos na medida em que são úteis para viver e não a ponto de nos tornarmos presas dos assaltos da concupiscência. A absorção moderada e razoável de alimentos, para manter a saúde do corpo, não destrói a pureza.



[5,8] Uma medida e uma regra exata da temperança nos foram transmitidas pelos Padres: quando comemos, devemos parar enquanto ainda temos apetite, sem esperar estarmos saciados. Quando o Apóstolo diz que não devemos nos preocupar com a carne no sentido de satisfazer a concupiscência[4], ele não proíbe prover as necessidades da vida, mas condena a busca do prazer.



[5,10] Por outro lado, para uma perfeita pureza da alma, apenas a abstinência de alimento não é suficiente, sem o socorro das demais virtudes. Assim, a humildade, pela prática da obediência e pelo labor que doma o corpo, nos traz grandes benefícios. Abster-se da avareza, não apenas das riquezas, mas até do desejo de adquiri-las, conduz à pureza da alma. A abstinência de cólera, de tristeza, de vanglória e de orgulho, tudo isto produz a pureza universal da alma. Mas para a pureza específica da alma que é obtida pela castidade, a abstinência e o jejum possuem uma eficácia notável. É de fato impossível a quem enche o ventre combater o espírito da prostituição em seu pensamento. Eis porque nosso primeiro combate deve ser o de dominar o ventre e reduzir o corpo à escravidão, não apenas pelo jejum, mas pelas vigílias, a prece, a leitura e a concentração do coração no temor da Geena e no desejo pelo Reino dos céus.



Do espírito da prostituição e da concupiscência da carne



2. [6,1] Nosso segundo combate é contra o espírito da prostituição e a concupiscência da carne, que começa a atormentar o homem desde a primeira idade. É um combate imenso e difícil, pois comporta uma dupla luta. Enquanto que os outros vícios são combatidos apenas na alma, este deve sê-lo simultaneamente na alma e no corpo: assim, é preciso travar contra ele um duplo combate. Com efeito, o jejum corporal não é bastante para adquirir a castidade perfeita e a verdadeira pureza, se não existir ao mesmo tempo também a contrição do coração, uma prece dirigida a Deus com perseverança, uma meditação contínua das Escrituras, a fadiga e o trabalho manual, tudo aquilo que pode reprimir os impulsos flutuantes da alma e desviá-la das imaginações vergonhosas. Mas, sobretudo, é preciso a humildade da alma, pois, sem ela, não é possível dominar a prostituição, tanto quanto os outros vícios.



[6,2] É preciso, antes de mais nada, guardar com o maior cuidado o coração[5] dos pensamentos impuros. Pois, como disse o Senhor, “é do coração que saem os maus pensamentos, homicídios, adultérios, prostituição e todo o resto[6]”. De fato, o jejum não nos foi ordenado apenas para atormentar o corpo, mas também para manter o intelecto sóbrio e vigilante; este, obscurecido pelo excesso de comida, é incapaz de supervisionar os pensamentos. Certamente, é preciso mostrar o maior zelo no jejum corporal, mas também na guarda dos pensamentos e na meditação espiritual; senão é impossível elevar-se ao cume da castidade e da pureza. É preciso então, como diz o Senhor, purificar primeiro o interior do copo e do prato, a fim de que o exterior fique puro[7].



[6,5] É por isso que, se tivermos no coração a determinação, como diz o Apóstolo, de combater segundo as regras e sermos coroados[8] por haver vencido o espírito da prostituição, não o confiemos à nossa própria força e à nossa ascese, mas ao auxílio de Deus nosso Senhor. Pois não haverá repouso para o homem atacado por este espírito enquanto ele não crer realmente que não será nem por sua aplicação nem por suas penas, mas pela proteção e a ajuda de Deus, que ele poderá se livrar desta doença e atingir o cume da castidade.



[6,6] A coisa está acima da natureza e se trata, de certa maneira, de sair da carne, mais do que pisotear os aguilhões da carne e de seus prazeres sob seus pés. Eis porque, é, por assim dizer, impossível ao homem elevar-se com suas próprias asas até este cume e esta recompensa celeste, e tornar-se o imitador dos anjos; é preciso que a graça de Deus o arranque da terra e da lama. Com efeito, nenhuma outra virtude, tanto quanto a castidade, torna iguais os anjos e os homens ligados à carne. Por meio desta virtude, ainda que vivam sobre a terra, eles possuem, segundo o Apóstolo, “sua cidadania nos céus[9]”.



[6,10] O sinal de que você adquiriu esta virtude com perfeição é que a alma já não se volta para nenhuma imagem vergonhosa durante o sonho. Pois, ainda que este movimento não seja visto como um pecado, ele é considerado um sinal de que a alma ainda está enferma e não se libertou das paixões.



[6,11]  Eis porque devemos crer que as representações vergonhosas que nos sobrevêm durante o sonho são provas de nossa negligência passada e de nossa enfermidade: a doença oculta nas profundezas da alma se manifesta num corrimento favorecido pelo sonho.



[6,12] É por isso que o médico de nossas almas colocou o remédio nas mesmas profundezas da alma, aonde se encontram, como ele bem o sabia, as causas da enfermidade: “Aquele que olhar uma mulher para desejá-la, cometeu adultério com ela em seu coração[10]”. Ao falar assim, ele não condenava tanto os olhos curiosos e lascivos, quanto a alma que, escondida no interior, fez mau uso dos olhos dados por Deus para o bem. É por isso que o Sábio dos Provérbios não disse: “Vigie seus olhos”, mas “Vigie seu coração[11]”, impondo o remédio àquele que se serve dos olhos ao bel prazer.



[6,13] Eis, portanto, a primeira precaução que deve tomar nosso coração [o primeiro cuidado com nossa purificação]: quando, pela malícia do diabo, se introduzir em nosso pensamento a lembrança de uma mulher, seja da mãe, da irmã ou de uma mulher piedosa, devemos tirá-la o quanto antes de nosso coração, pois, se demorarmos um pouco só, o demônio enganador e mau precipitará o espírito do alto abaixo, destas imagens aos pensamentos funestos e vergonhosos. É por isso que Deus nos deu no princípio o mandamento de tomar cuidado com a cabeça da serpente[12], ou seja, ao surgimento dos maus pensamentos, por meio dos quais o diabo procura deslizar para dentro de nossas almas. Senão, uma vez que a cabeça penetrou, ou seja, o primeiro assalto do pensamento, acabamos por acolher o resto do corpo da serpente, a saber, o consentimento ao prazer, e a partir daí o espírito será obrigado a fazer o que não lhe é permitido. É preciso, ao contrário, dar morte “desde a manhã, como está escrito, a todos os pecadores que se erguem da terra[13]”, ou seja, discernir à luz da ciência e exterminar da terra de nosso coração os pensamentos que só conduzem ao pecado, conforme o ensinamento do Senhor[14]. E, enquanto ainda são pequenas, é preciso exterminar as crias da Babilônia, quero dizer os pensamentos perversos, e destroçá-las contra o rochedo[15] que é Cristo. Pois, se com nosso consentimento, elas chegarem a crescer, só as dominaremos à custa de muitos gemidos e penas.



[6,19] Além dessas palavras da divina Escritura, podemos também mencionar as palavras dos santos Padres. São Basílio, bispo de Cesareia e da Capadócia, disse um dia: “Eu nunca conheci mulher, e, no entanto, não sou virgem[16]”. Ele sabia muito bem que o dom da castidade não consiste tanto em se privar de mulher, como em guardar a pureza e a castidade da alma, o que normalmente se realiza pelo temor a Deus.



[6,18] Os Padres também disseram o seguinte: Não podemos adquirir com perfeição a virtude da pureza sem antes adquirir a verdadeira humildade em nosso coração Tampouco receberemos a verdadeira ciência enquanto ocultarmos a paixão da prostituição nas profundezas da alma.



[6,16] E para mostrarmos também pelo testemunho do Apóstolo a recompensa da castidade, terminaremos citando uma única sentença: “Busquem a paz com todos e a santidade, sem as quais ninguém verá ao Senhor[17]”. Que se trata da castidade, a seqüência o mostra: “Que ninguém seja impudico ou profanador como Esaú[18]”. E quanto mais o avanço da santidade é celeste e angélico, tanto mais ela é vítima de ataques cada vez mais violentos dos adversários. É por isso que devemos nos aplicar não somente à continência do corpo, mas também à contrição do coração e às penitências [orações] freqüentes com gemidos, a fim de que, pelo orvalho da presença do Espírito Santo, possamos extinguir a fornalha da nossa carne, que o rei da Babilônia atiça a cada dia com as tochas da concupiscência[19].



[6,23] Mas acima de tudo, a grande arma que está à nossa disposição para o combate, é a vigília com Deus. Pois, assim como a vigilância do dia prepara a santidade da noite, também a vigília noturna com Deus prepara a alma para a pureza durante o dia.



Da avareza



3. [7,1] Nosso terceiro combate é contra o espírito da avareza. Ele é manifestamente estranho à nossa natureza e, num monge, ele tem sua origem na falta de fé. De fato, os vícios que excitam as demais paixões, vale dizer, a cólera e a concupiscência, parecem ter seus princípios no corpo, eles são de certa forma inatos e começam já no nascimento; é por isso que é preciso muito tempo para vencê-los.



[7,2] A doença da avareza, que ao contrário provém do exterior, pode ser evitada com mais facilidade, se dermos provas de preocupação, sobriedade e vigilância. Mas, se a negligenciarmos, ela se tornará mais perigosa do que as outras paixões e mais difícil de ser rejeitada, pois ela é “a raiz de todos os males”, conforme o Apóstolo[20].



[7,3] Não vemos, com efeito, os movimentos naturais do corpo, não apenas em crianças que ainda não possuem o discernimento do bem e do mal, mas até nas menores que sequer desmamaram? Sem ter nelas o menor traço de voluptuosidade, elas entretanto mostram em sua carne estes movimentos naturais. Da mesma forma, podemos constatar nas crianças o aguilhão da cólera quando as vemos irritadas contra alguém que lhes fez mal. Digo isto, não para acusar a natureza como causa do pecado, que Deus não permita!, mas para mostrar que a cólera e a concupiscência, mesmo estreitamente unidas ao homem pelo Criador para seu bem, podem, por negligência, transformar de certa maneira os movimentos naturais do corpo em atos contra a natureza. Com efeito, o movimento do corpo foi dado por Deus para a procriação e o prolongamento da raça, não para a prostituição. A excitação da cólera também pode ser salutar, para a dirigirmos contra os vícios e não para que fiquemos furiosos com nosso irmãos.



[7,4] Não, é claro, que a natureza seja má e que possamos responsabilizar o Criador; da mesma forma, se dermos um pedaço de ferro a alguém para um uso necessário e útil, ele pode também usá-lo para cometer um crime.



[7,5] Dizemos tudo isso para mostrar que a paixão da avareza não extrai seu princípio dos elementos naturais, mas apenas da vontade má e corrompida.



[7,7] Com efeito, esta doença, quando encontra a alma morna e com pouca fé no início da renúncia, lhe sugere motivos justos e aparentemente razoáveis para que a pessoa guarde um pouco daquilo que ela possui. A avareza apresenta ao espírito do monge uma velhice longa e as enfermidades do corpo, alegando que o que é dado pelo mosteiro não é suficiente, não digo aos enfermos, mas até aos que gozam de boa saúde, que ninguém ali se preocupa muito com os doentes, que eles chegam a ser abandonados, e que se não tiverem um pouco de ouro guardado, morrerão de miséria. Finalmente, ela sugere ao monge que ele não conseguirá permanecer por muito tempo ainda no mosteiro, pela carga das observâncias e o rigor do superior. Quando ela logrou desorientar o espírito com estes pensamentos para que ele guarde ao menos alguns centavos, ela ainda persuade o monge a aprender, sem que o abade saiba, algum trabalho com o qual ele possa aumentar suas economias. Assim ela desvia o infeliz para esperanças incertas, sugerindo-lhe os ganhos com seu trabalho, o repouso e a despreocupação que ele tirará disso. Entregue por completo à idéia de ganhar, ele não vê nada contra; nem a loucura furiosa que o tomará se lhe acontecer uma perda, nem as trevas da tristeza caso ele se veja privado dos ganhos com os quais contava. Para ele, o ouro tomou o lugar de Deus, assim como, para outros, o ventre[21]. Assim, o bem-aventurado Apóstolo, sabendo disto, chamou a esta doença não somente de “raiz de todos os males[22]”, mas de “idolatria[23]”. Vemos com isto a que ponto de malícia esta doença arrasta o homem, até atirá-lo na idolatria.



[7,8] Depois que o avaro desviou seu intelecto do amor de Deus, ele começa a adorar as imagens dos homens gravadas no ouro. Cego por esses pensamentos

e progredindo no mal, ele já não consegue se manter obediente mas se irrita, se indigna e resmunga por qualquer trabalho,opõe-se a ele e, não tendo mais nenhum respeito por ninguém, é arrastado ao precipício como um cavalo bravo. Descontente com a alimentação costumeira, ele protesta que não poderá mais suportar isto, que Deus não está apenas ali, que sua salvação não está ligada apenas àquele lugar e que ele vai se perder se não deixar o mosteiro.



[7,9] Tendo dinheiro reservado para apoiar sua opinião corrompida, ele é como que levado por suas asas e começa a ruminar sua despedida do mosteiro. A partir daí ele responde com insolência e azedume a todas as ordens que lhe são dadas e, comportando-se como um hóspede ou um estrangeiro, negligencia e despreza tudo o que, no mosteiro, precisa ser retificado, e condena tudo o que é feito. Depois ele começa a encontrar razões para se irritar ou se entristecer, a fim de não dar a impressão de deixar o mosteiro levianamente e sem razão. E ele pode fazer com que, por meio de enganações, cochichos e vãos propósitos, algum outro o acompanhe em sua saída, para que ele consiga ao menos um cúmplice em sua queda.



[7,10] Assim inflamado pelo fogo de suas próprias riquezas, o avaro já não poderá estar em paz no mosteiro e viver sob uma regra. Então o demônio, qual um lobo, o leva da comunidade, o separa da tropa e o agarra como uma presa fácil de devorar. Ele o estimula a negligenciar os trabalhos que se realizam em horários fixos no mosteiro e a fazê-los zelosamente em sua própria cela noite e dia. Ele não o deixa mais observar as orações habituais, nem a medida dos jejuns, nem a regra das vigílias, tendo-o laçado com a paixão da avareza, e o persuade a empenhar-se no trabalho manual.



[7,14] Esta doença apresenta três formas que as divinas Escrituras e os ensinamentos dos Padres reprovam da mesma maneira. A primeira leva os infelizes a adquirir e juntar riquezas que antes não possuíam neste mundo. A segunda traz o arrependimento pelas riquezas às quais se renunciou e incita a recuperar aquilo que foi oferecido a Deus. A terceira engaja o monge desde o início na falta de fé e de ardor, e o impede de se despojar completamente dos bens deste mundo, fazendo-o temer o despojamento e duvidar da providência de Deus. Ele se mostra assim infiel às promessas que fez ao renunciar ao mundo. Encontramos exemplos de condenação destas três formas da avareza nas Sagradas Escrituras. Giezi, pretendendo adquirir riquezas que não possuía antes, Foi privado do dom da profecia que seu mestre pretendia deixar-lhe em herança, e, em lugar da bênção, herdou uma lepra eterna por causa da maldição do profeta[24]. Judas, que quis reaver os bens aos quais havia renunciado ao seguir Cristo, não apenas chegou a trair a Cristo e perder sua posição de apóstolo, mas ainda pôs fim à sua vida física por uma morte violenta[25]. Ananias e Safira, por terem guardado uma parte dos seus bens, forma, foram punidos de morte pelas palavras do Apóstolo[26].



[7,15] O grande Moisés dá esta advertência no Deuteronômio, no sentido espiritual, para aqueles que querem renunciar ao mundo, mas permanecem ligados às coisas terrestres pelo medo que lhes causa a falta de fé: “Se o homem é covarde e tem o coração medroso, é melhor que ele não parta para o combate; que ele retorne à sua casa, para não assustar o coração dos seus irmãos.[27]” O que pode haver de mais claro do que este testemunho? Não aprendemos com estas palavras que aqueles que renunciam ao mundo devem fazê-lo por completo e apresentar-se assim para o combate, para não desviar os outros da perfeição evangélica, inspirando-lhes medo com um começo fraco e corrupto?



[7,16] Bem que está dito na divina Escritura que “é melhor dar do que receber[28]”, mas o avaro entende erradamente a frase e distorce o texto com suas manobras e a cobiça de sua avareza, alterando o sentido das palavras e do ensinamento do Senhor, que diz: “Se você quiser ser perfeito, vá, venda tudo o que possui e dê aos pobres, e você terá um tesouro nos céus; depois, siga-me[29]”. Eles acham preferível usufruir de suas riquezas e dar o supérfluo aos pobres. Estes homens deveriam saber que eles ainda não renunciaram ao mundo nem abraçaram a perfeição monástica enquanto ainda ficarem vermelhos em assumir o despojamento do Apóstolo e de ajudar os indigentes com o trabalho das suas mãos. Se eles quiserem preencher realmente sua confissão monástica e, tendo distribuído toda sua riqueza anterior, glorificar-se com o Apóstolo “na fome e na sede, no frio e na nudez[30]”, eles conduzirão, com Paulo, o “bom combate[31]”.



[7,17] Com efeito, se o mesmo Apóstolo achasse necessário para a perfeição manter seus antigos bens, ele não teria desdenhado de sua dignidade, ele que era de nascimento nobre e cidadão romano[32]. E os que, em Jerusalém, eram “possuidores de mansões e campos e que deixavam aos pés dos apóstolos o dinheiro da venda[33]”, não teriam agido assim se soubessem que os apóstolos julgavam melhor subsistir de seus próprios recursos do que com o trabalho de suas mãos e as doações dos cidadãos. O Apóstolo ensina isto claramente quando escreve aos romanos: “Agora eu parto para Jerusalém para servir aos santos (de fato, ele pedira, na Macedônia e na Acádia, que se fizesse uma coleta para os santos de Jerusalém, ou seja, para os pobres). Ele lhes pediu e eles são seus devedores.[34]



O próprio Apóstolo, muitas vezes encarcerado e cativo ou entravado pelos incômodos da viagem, e, por causa disto, incapaz de prover por suas próprias mãos sua subsistência, como estava acostumado, declarou haver recebido esta subsistência dos irmãos vindos da Macedônia: “Pois, disse ele, o que me faltou foi suprido pelos irmãos vindos da Macedônia[35]”; e ele escreveu aos Filipenses: “Também vocês sabem, Filipenses, que, quando eu parto da Macedônia, nenhuma igreja me amparou em termos de contribuição pecuniária, salvo a de vocês; pois quando eu estava em Tessalônica, por duas vezes vocês me enviaram aquilo de que eu estava necessitado[36]”. Teriam sido estes cristãos, na opinião dos avaros, mais felizes do que o Apóstolo, porque supriram suas necessidades com seus próprios bens? Ninguém será louco de dizê-lo.



[7,18] É por isso que, se quisermos seguir o preceito evangélico e imitar toda a Igreja fundada desde a origem sobre os apóstolos, não devemos nos fiar em nossas próprias opiniões nem interpretar mal aquilo que foi expresso. Rejeitando a perspectiva morna e a falta de fé, sigamos exatamente o Evangelho. Assim poderemos caminhar sobre as pegadas dos Padres sem jamais nos distanciar da disciplina do mosteiro, e renunciar ao mundo com toda a verdade.



[7,19] É bom lembrar aqui as palavras de um santo. Diz-se que são Basílio, bispo de Cesaréia, dirigiu-se a um senador que havia renunciado ao mundo sem fervor e reservado para si um pouco de suas posses nestes termos: “Você perdeu o senador e não adquiriu o monge[37]”. É preciso, assim, que, com o maior cuidado, expulsemos de nossa alma a raiz de todos os males, vale dizer, a avareza, sabendo que, se a raiz permanecer, os ramos crescerão facilmente.



[7,29] É difícil adquirir esta virtude sem viver numa comunidade, pois aí estaremos livres de toda a preocupação em relação às coisas necessárias.



[7,30] Lembrando-nos do castigo de Ananias e Safira[38], devemos temer guardar para nós seja o que for que possuímos. Temendo o exemplo de Gieze que, por sua avareza, foi punido com a lepra eterna[39], evitemos juntar riquezas que não tínhamos antes neste mundo. Enfim, pensando na morte de Judas por enforcamento[40], vigiemos para jamais tentarmos recuperar algo a que já havíamos renunciado. E acima de tudo, mantendo sempre nos olhos a perspectiva da morte, cuidemos para que nosso Senhor não venha na hora menos esperada e não encontre nossa consciência contaminada pela avareza. Ele então poderá nos dirigir as palavras ditas ao rico no Evangelho: “Insensato, nesta mesma noite sua alma será levada; aquilo que você reservou para si, de que lhe servirá agora?[41]





Da cólera



4. [8,1] Nosso quarto combate é contra o espírito da cólera e é preciso que, com a ajuda de Deus, extirpemos das profundezas de nossa alma este veneno mortal. Pois, enquanto ele se mantiver em nosso coração e cegar os olhos do coração com perturbações tenebrosas, não seremos capazes de adquirir o discernimento das coisas convenientes, nem encontrar a compreensão da ciência espiritual, nem possuir a perfeição do bom conselho, nem participar da vida verdadeira, e nosso intelecto não será capaz de contemplar a verdadeira luz divina. De fato, foi dito: “Meu olho foi perturbado pela cólera[42]”. Não será possível participarmos da sabedoria divina, ainda que sejamos reputados sábios segundo a opinião de todos, pois está escrito: “A cólera repousa no seio dos insensatos[43]”. Nem poderemos adquirir os salutares conselhos do discernimento, mesmo que os homens nos julguem prudentes pois também está escrito: “A cólera do homem não cumpre com a justiça de Deus[44]”. E tampouco poderemos adquirir a moderação e a gravidade tão estimadas dos homens, pois está escrito: “O homem colérico é indecente[45]”.



[8,5] Portanto, aquele que pretende alcançar a perfeição e que deseja levar adiante o combate conforme as regras, deve ser alheio a toda cólera e todo furor e escutar a recomendação do vaso de eleição: “Que toda cólera, disse ele, fúria, grito e blasfêmia sejam afastados de vocês, bem como toda malícia[46]”. Quando ele diz “toda”, ele não deixa nenhum pretexto de cólera que pudesse ser necessária ou razoável. Assim, quem quiser corrigir o irmão que pecou ou lhe infligir um castigo, deve tentar por todos os meios permanecer imperturbável, para que não lhe aconteça que, pretendendo curar o outro, não contraia ele próprio a doença, e que dele não se diga, conforme o Evangelho: “Médico, cure a si mesmo[47]”. E ainda: “Porque você critica a palha no olho do seu irmão e não percebe a trave no seu próprio olho?[48]



[8,6] De fato, qualquer que seja a causa, o movimento da cólera, em sua ebulição, cega os olhos da alma e impede de contemplar o sol da justiça. Quem coloca sobre os olhos folhas de ouro ou de chumbo fica igualmente privado da visão, e o valor do metal não tem nenhuma relação com a cegueira. Da mesma forma, qualquer que seja a causa, razoável ou não, quando a cólera se inflama, ela obscurece a vista.



[8,7] Nós só usamos a cólera em conformidade com a natureza quando nos insurgimos contra os pensamentos passionais ou voluptuosos.



[8,8] É o que o Profeta nos ensina, ao dizer: “Encolerizem-se e não pequem mais[49]”.



[8,9] Isto significa: “Encolerizem-se contra as suas próprias paixões e contra os pensamentos perversos, e não pequem cumprindo as suas sugestões.” Este sentido aparece com mais clareza ainda no verso seguinte: “Aquilo que vocês dizem em seus corações, levem compungidos ao leito[50]”, ou seja: quando sobrevierem pensamentos perversos em seu coração, depois de rejeitá-los encolerizando-se contra eles, você encontrará uma grande paz, como num leito de repouso; sinta então a compunção pela penitência. O bem-aventurado apóstolo Paulo concorda com isto quando, com testemunho neste versículo, diz: “Que o sol não se ponha sobre sua cólera; não abram a porta ao diabo.[51]” Dito de outro modo: não force o sol de justiça, Cristo, a se deitar sobre o seu coração irritando-o por sua conivência com os maus pensamentos, para que não lhe aconteça que, com sua partida, o diabo encontre um acesso a você.



[8,10] É deste sol que Deus fala pela boca do Profeta: “Para aqueles que temem meu nome erguer-se-á o sol de justiça, que cura com seus raios[52]”. Se levarmos ao pé da letra o versículo do Apóstolo, não poderíamos, de fato, guardar a cólera até o por do sol.



[8,11] Que diremos então daqueles que, pela selvageria e a loucura da paixão, não contentes em conservar sua raiva até o por do sol ainda a prolongam por dias a fio, abstendo-se de falar com os outros? Eles não exprimem sua cólera em palavras, mas através de seu mutismo para com os demais, eles aumentam o veneno do rancor, para sua própria perda.



[8,12] Eles ignoram que é preciso abster-se da cólera, não apenas em ato, mas também em pensamento, para evitar que o intelecto, cego pelas trevas do rancor, perca a luz do conhecimento e do discernimento e seja privado da presença do Espírito Santo.



[8,13] É para isto, com efeito, que o Senhor, no Evangelho, ordena deixar a oferenda perto do altar para ir reconciliar-se com seu irmão[53]. Senão, é impossível que a oferenda seja aceita, se estivermos presa da cólera e do rancor. Por outro lado, o Apóstolo ordena rezar sem cessar[54], e em toda parte erguer as mãos puras, sem cólera nem [maus] pensamentos[55]; esta é uma lição para nós. Resta-nos, assim, seja não mais orar – mas então pecaríamos contra o mandamento do Apóstolo – seja nos apressarmos em seguir este mandamento e cessar imediatamente com a cólera e o rancor.



[8,14] Acontece muitas vezes desdenharmos dos irmãos sofredores ou perturbados, dizendo que sua tristeza não foi causada por nós. É por isso que o médico de almas, querendo extirpar do coração até as raízes os pretextos da alma, nos ordena deixar a oferenda e irmos nos reconciliar, não somente se fomos nós os ofendidos por um irmão, seja que tenhamos nós o ofendido, com ou sem razão. Primeiro devemos remediar a situação com desculpas, para em seguida fazermos nossa oferenda.



[8,15] Mas não precisamos nos deter por mais tempo nos preceitos evangélicos, uma vez que a própria lei antiga, que parece ser menos rigorosa, nos ensina isto quando diz: “Não odeie seu irmão em seu coração[56]”, e também: “Os caminhos daquele que guarda rancor levam à morte[57]”. A lei proíbe não apenas o ato, mas o pensamento. É por isso que aqueles que seguem as leis divinas lutam com todas as suas forças contra o espírito de cólera e contra esta doença que existe dentro de nós.



[8,16] Que aqueles que se encolerizam contra seus irmãos não busquem a solidão e o isolamento, pensando que assim ninguém mais os levará à cólera, e que a virtude da paciência poderá ser mais facilmente adquirida na solidão. É por orgulho, e por não querermos acusar a nós mesmos, nem reconhecer em nosso descuido a causa da perturbação, que desejamos nos separar dos irmãos. Mas enquanto imputarmos aos outros as causas de nossa fraqueza, será impossível conseguir a paciência.



[8,17] O essencial de nosso progresso e de nossa paz não pode provir da paciência do próximo para conosco, mas de nossa longanimidade para com o próximo.



[8,18] Se buscarmos o deserto e a solidão para fugirmos ao combate pela paciência, todos os vícios que carregamos conosco sem havê-los corrigido permanecerão escondidos, mas não suprimidos. E, com efeito, para quem não se libertou das paixões, a solidão e o retiro podem não apenas conservá-las, mas aumentá-las, a tal ponto que ele se acaba por não saber de qual paixão está sendo vítima. A solidão, ao contrário, lhe sugere a ilusão da virtude e o persuade de que ele adquiriu a paciência e a humildade, uma vez que não existe ninguém ali para provocá-lo e testá-lo. Mas basta que surja uma circunstância que o sacuda e o excite, e na mesma hora as paixões que se encontram nele e que estavam até então ocultas, como cavalos sem freio que, saindo da cocheira após um período de repouso e inatividade, arrastam o condutor com mais ímpeto e ferocidade. De fato, as paixões são mais excitadas em nós quando não somos testados no meio dos homens. E perdemos esta sombra de paciência e longanimidade que fingimos possuir enquanto não nos misturamos aos irmãos, pelo desleixo causado pela falta de exercício e pela solidão.



[8,19] Assim como as mais venenosas bestas selvagens, em repouso no deserto e em suas covas, mostram toda a sua fúria contra qualquer um que se aproxime, também os homens que são presa das paixões, que são calmos não por disposição mas pela necessidade do deserto. Despejam seu veneno cada vez que colocam a mão em alguém que se aproxime e os provoque. É por isso que aqueles que buscam a perfeição da doçura devem tomar todo o cuidado para não se encolerizar contra os homens, mas também para não se irritar com os animais nem com as coisas. Eu me lembro, de fato, que, quando vivia no deserto, eu me irritava contra uma pena de escrever que eu considerasse muito grossa ou muito fina, contra um pedaço de madeira que eu não conseguia cortar com a facilidade imaginada, ou contra a pederneira quando eu estava com pressa de acender o fogo e a centelha custava a pegar. Assim eu descarregava a cólera contra as coisas sensíveis.



[8,20] Assim, se quisermos obter a beatitude do Senhor, devemos, como foi dito, evitar a cólera não apenas em ato, mas também em pensamento. Com efeito, não é tão útil dominarmos nossa língua para não proferir palavras de furor, quanto purificarmos o coração do rancor e não acalentar em si maus pensamentos contra o irmão. Pois o ensinamento evangélico ordena evitar antes as raízes dos pecados do que seus frutos. Se a raiz da cólera for extirpada do coração, nem o ódio nem a inveja conseguirão se traduzir em atos. Com efeito, aquele que odeia seu próximo é chamado de “homicida”[58], porque ele o condena à morte pela disposição da raiva que existe em seu espírito. Os homens não o vêem verter sangue com seu gládio, mas Deus vê que ele o mata em espírito pela raiva que guarda em si, e o Senhor distribui a cada um as coroas e os castigos não somente por suas ações, mas também pelos pensamentos e os desejos, como diz o Profeta: “Eis que vim para reunir suas obras e seus pensamentos[59]”. E o Apóstolo diz também: “Seus pensamentos ora os acusarão, ora os defenderão, no dia em que Deus julgar os segredos dos homens[60]”.



[8,12] O próprio Mestre nos ensina a renunciar a toda cólera quando diz nos Evangelhos: “Todo aquele que odeia seu irmão deverá ir a julgamento[61]”. É de fato, o texto que fornecem os exemplos mais exatos. Segundo o contexto, o inciso “sem causa” parece ter sido acrescentado. Com efeito, o desígnio do Senhor é que evitemos, de todas as maneiras, a raiz e a centelha da cólera, sem guardar em nós o menor pretexto de irritação, para que, por nos enfurecermos por um bom motivo, não nos aconteça cairmos a seguir numa cólera furiosa e irracional. O remédio perfeito contra esta doença é o seguinte: devemos acreditar firmemente que jamais é permitido enfurecer-se, seja por coisas justas, seja por coisas injustas. Como o espírito da cólera obscurece o espírito, nem a luz do discernimento, nem a solidez do conselho justo, nem o sentido de justiça permanecerão em nós. Será impossível que nossa alma seja o templo do Espírito Santo se o espírito da cólera, tendo obscurecido nosso espírito, se apodere de nós. Enfim, a cima de tudo, é preciso que nos guardemos da cólera tendo sempre diante dos olhos a incerteza da hora da morte. E saibamos também que nem a castidade, nem a renúncia a todos os bens, nem os jejuns e as vigílias nos servirão se nos apresentarmos ao Juízo cheios de cólera e rancor.







Da tristeza



5. [9,1] Nosso quinto combate é contra o espírito da tristeza que rouba a luz da contemplação espiritual da alma e a impede de cumprir as boas obras. Com efeito, quando este espírito mau se apodera da alma ele a obscurece inteiramente, não a deixa mais fazer suas orações com fervor nem se dedicar frutiferamente às santas leituras. Ele não permite ao homem ser doce e conciliador com seus irmãos; ele lhe inspira raiva a todas as obras que se deve praticar e à própria vida que se abraçou. A tristeza perturba todos os desejos saudáveis da alma e dissolve seu vigor e sua constância, tornando-a como que mole e paralisada, até prendê-la finalmente ao pensamento do desespero.



[9,2] É por isso que, se quisermos sustentar o combate espiritual e vencer com a ajuda de Deus os espíritos de malícia, devemos guardar com o maior cuidado nosso coração do espírito da tristeza, pois, assim como a traça nas roupas ou o cupim na madeira, a tristeza devora a alma do homem, quando o persuade a evitar os bons encontros e não permite receber o conselho dos melhores amigos, nem lhes dar uma resposta amável e pacífica. Ela se apodera da alma de todos os lados e a enche de amargura e de acídia. Enfim, ela instiga a fugir dos homens como se fossem eles os responsáveis pela perturbação em que se encontra. E ela não permite à alma reconhecer que sua enfermidade não provém de fora, mas nasce no seu interior, coisa que, aliás, aparece quando as tentações, surgindo inopinadamente pela prática, a fazem vir à luz. De fato, jamais um homem é prejudicado por outro, se não possuir em si mesmo as causas das paixões.



[9,7] Também Deus, criador e médico das almas, o único que conhece exatamente as feridas da alma, não nos ordena renunciar à freqüentação dos outros, mas a extirpar as causas do mal em nós mesmos. Ele sabe que a saúde da alma não é obtida separando-nos uns dos outros, mas vivendo e nos exercitando junto a homens virtuosos. Quando abandonamos os irmãos por supostos bons pretextos, não suprimimos as ocasiões de tristeza, mas apenas as alteramos, pois o mal está em nós e surgirá por outras razões.



[9,8] É por isso que todo o nosso combate deve ser contra as paixões que estão em nós. Uma vez que sejam expulsas de nosso coração com a graça e a ajuda de Deus, viveremos com tranqüilidade, já não digo entre os homens, mas mesmo entre os animais selvagens, como diz o bem-aventurado Jó: “Os animais selvagens viverão em paz com você”[62].



[9,9] É preciso então combater primeiro contra o espírito da tristeza que lança a alma no desespero, a fim de tirá-lo de nossa alma. Foi este espírito, de fato, que impediu Caim de se arrepender após o assassinato de seu irmão[63], e também Judas, após ter traído o Mestre. Só podemos manter a tristeza trazida pelo arrependimento dos pecados que cometemos, mas que é acompanhada da boa esperança. Da qual diz o Apóstolo: “A tristeza conforme a Deus causa uma penitência duradoura para a salvação[64]”. Com efeito, a tristeza conforme a Deus, que nutre a alma com a esperança da penitência, é mesclada de alegria. É por isso que ela torna o homem cheio de ardor para submeter-se às boas obras, afável, humilde[65], doce, esquecendo-se das injúrias, paciente para suportar todas as penas e aflições, tudo o que vem de Deus. Desta tristeza enfim nascem no homem os frutos do Espírito Santo, a saber, “a alegria, a caridade, a paz, a longanimidade, a bondade, a fé, a temperança[66]”. Da outra tristeza, ao contrário, reconhecemos os maus frutos, que são a acídia, a impaciência, a cólera, a raiva, a contrariedade, o desencorajamento, a negligência na oração.



[9,12] Assim, devemos nos afastar desta tristeza assim como fazemos com a prostituição, a avareza, a cólera e as demais paixões. Ela é curada pela prece, pela esperança em Deus, pela meditação nas palavras divinas e pela freqüentação dos homens piedosos.





Da acídia



6. [10,1] Nosso sexto combate será contra o espírito da acídia que caminha e trabalha junto com o espírito da tristeza. Este demônio terrível e opressor está sempre em guerra contra os monges.



[10,2] É ele que ataca o monge na sexta hora, tornando-o lânguido e entorpecido, fazendo-o sentir aversão pelo lugar em que vive, pelos irmãos que vivem com ele, pelas ocupações e até pela leitura das divinas Escrituras. Ele lhe sugere que mude de lugar, pensando que, se não partir para outras paragens, estará perdendo seu trabalho e seu tempo.



[10,3] Em primeiro lugar, por volta da sexta hora, ele o faz sentir fome, como se tivesse passado três dias sem comer, percorrido um longo caminho ou cumprido alguma pesada tarefa. Então ele lhe sugere o pensamento de que esta enfermidade poderá ser tratada se ele sair continuamente a ver os irmãos, sob pretexto de benefício espiritual ou para visitar os enfermos. Se não consegue fazer com que o monge caia em suas armadilhas, este demônio o mergulha num profundo sono, tornando-se assim mais forte e mais poderoso contra ele, e então ele só poderá ser expulso pela prece, a fuga da tagarelice, a meditação sobre as palavras divinas e a paciência nas provações.



[10,6] Com efeito, quando não o encontra munido destas armas, ele toma as rédeas ao monge, tornando-o instável, errante, negligente e ocioso, fazendo-o circular de mosteiro em mosteiro sem se preocupar com outra coisa do que encontrar comida e bebida. Pois o espírito do monge que é presa da acídia não imagina outra coisa do que distrações deste gênero; e, a partir daí, a acídia o prende às coisas do mundo e pouco a pouco o atira às suas ocupações nocivas, até que ele decaia totalmente de sua profissão monástica.



[10,7-8] O divino Apóstolo, sabendo e desejando, como bom médico, arrancar de nós esta doença extremamente grave, mostra-nos em primeiro lugar as causas das quais ela decorre: “Nós lhes ordenamos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que vocês se separem de qualquer irmão que viva na desordem e não na tradição recebida de nós. E vocês sabem, com efeito, como é preciso nos imitar, porque nunca vivemos ociosamente entre vocês, jamais comemos de graça o pão de quem quer que fosse; ao contrário, trabalhamos noite e dia, penando até o esgotamento, para não sermos um peso para ninguém.”



[10,10] “Não que não possuíssemos este direito, mas quisemos nos tornar um exemplo vivo para vocês.”



[10,11] “Da mesma forma, enquanto estivemos entre vocês, nós lhes prescrevemos que, se alguém não trabalhar, que também não coma! Ora, ficamos sabendo que entre vocês alguns vivem ociosamente, sem nada fazer mas sempre parecendo atarefados. A estes, nós pedimos e exortamos em Jesus Cristo a que trabalhem em calma para comer um pão que seja seu.[67]



[68]Vejamos como o Apóstolo nos mostra com sabedoria as causas da acídia. De fato, ele chama de rebeldes aos que não trabalham; com uma única palavra, ele desvela toda a grande malícia. Pois quem é rebelde não teme a Deus, é levado por suas próprias palavras e está sempre inclinado às injúrias, sendo, portanto, incapaz de recolhimento e tornando-se escravo da acídia. O Apóstolo ordena que nos separemos destes, como nos afastamos de uma moléstia pestilenta. Ao dizer a seguir que eles não caminham “segundo a tradição recebida de nós”, ele indica que eles são orgulhosos, desdenhosos e violadores das tradições apostólicas. E, acrescenta ele, “jamais comemos de graça o pão de quem quer que fosse; ao contrário, trabalhamos noite e dia, penando até o esgotamento, para não sermos um peso para ninguém.”



[10,8] O doutor das nações, o arauto do Evangelho, aquele que foi elevado até o terceiro céu, aquele que disse que o Senhor declarou que os que predicam o Evangelho devem viver do Evangelho, ele próprio trabalha noite e dia penando até o esgotamento para não se tornar um peso para ninguém. Que faremos nós então, que sentimos desgosto pelo trabalho e não buscamos senão o bem estar do corpo? Nós não recebemos nem o encargo de anunciar o Evangelho, nem o de administrar a Igreja, mas apenas o de cuidar de nossas almas. Depois, mostrando claramente o prejuízo causado pelo ócio, ele acrescenta: “sem fazer nada e sempre parecendo atarefados”. Pois do ócio nasce a ingerência nos negócios alheios, daí a desordem e da desordem todos os males. Preparando em seguida o remédio, ele prossegue: “A estes, nos exortamos a trabalhar em calma para comer um pão que seja seu”. E depois ele declara ainda mais severamente: “Se alguém não trabalha, que também não coma!”



[10,22] Instruídos por estes mandamentos apostólicos, os santos Padres do Egito decretaram que os monges não deveriam ficar ociosos nem por um momento, sobretudo os jovens. Eles sabiam que pela perseverança no trabalho se expulsa a acídia, se ganha a subsistência e se vem em socorro dos indigentes. Com efeito, eles não trabalhavam apenas para suas necessidades, mas seu trabalho lhes dava o suficiente para amparar os estrangeiros, os pobres e os prisioneiros. Eles estavam persuadidos de que esta benemerência era uma santa oferenda agradável a Deus. E os Padres diziam o seguinte: quem trabalha luta contra um demônio e é atormentado por ele; mas quem é ocioso está sujeito a milhares de demônios.



[10,25] Por outro lado, é bom lembrar as palavras que o abade Moisés, o mais experiente dentre os Padres, me disse pessoalmente. Naquela ocasião eu me encontrava há pouco tempo no deserto e fui tomado pela acídia. Fui procurá-lo para dizer que, na véspera, eu estivera muito atormentado pela acídia e, no fim das forças, só consegui libertar-me dela procurando o abade Paulo. Então o abade Moisés me respondeu: “Na verdade, você não se libertou, mas escravizou-se ainda mais. Saiba então que este demônio o atacará com mais força ainda como desertor, a menos que você se dedique a vencê-lo pela perseverança, a prece e o trabalho manual.”





Da vanglória



7. [11,1-3] Nosso sétimo combate é contra o espírito de vanglória, paixão que se reveste de diversas formas e que é muito sutil. Mesmo os mais experientes não conseguem dominá-la facilmente. De fato, os ataques das outras paixões são mais manifestos e podemos combatê-los com certa facilidade, pois a alma reconhece o inimigo e o afasta rapidamente pela réplica da oração. Mas a malícia da vanglória, revestindo-se de numerosas formas, como dissemos, é difícil de combater. Com efeito, ela se mostra em todas as ocupações, [nas roupas, no modo de andar], na voz, na palavra, no silêncio, na ação e na vigília, nos jejuns, na prece, na leitura, no recolhimento e na paciência. Em tudo isso, ela se esforça por ferir o soldado de Cristo.



[11,4] Aquele a quem a vanglória não consegue enganar com a suntuosidade das vestimentas, ela busca tentar com um vil uniforme. Aquele a quem ela não conseguiu abater com as honrarias, ela tenta empurrar para o orgulho de suportar a desonra. Aquele a quem ela não conseguiu bajular pela arte das palavras, ela busca seduzir com um silêncio que se faz passar por recolhimento. A quem ela não conseguiu convencer de se glorificar por um bom regime alimentar, ela atrai com um jejum feito para ser louvado. Numa palavra, qualquer obra, qualquer ocupação fornece a este mau demônio uma ocasião para atacar.



[11,14] Ademais, ele sugere também ao monge imaginar-se nas altas patentes clericais.



[11,6] Lembro-me de um ancião, quando eu morava em Sceta. Dirigindo-se à cela de um irmão para visitá-lo, ao aproximar-se da porta, ouviu alguém falando no interior. Pensando tratar-se de alguma passagem da Escritura, ele parou para escutar. Ele então percebeu que o irmão era presa da vanglória, que ele imaginava ser diácono e acabava de despachar alguns catecúmenos. Após ouvir isto, ele bateu à porta e entrou. O irmão veio ao seu encontro, saudou-o segundo o costume e lhe perguntou se ele estava há muito tempo diante da porta. O ancião lhe respondeu calmamente: “Eu cheguei bem no momento em que você despachava os catecúmenos”. Diante destas palavras, o irmão caiu aos pés do ancião pedindo-lhe que rezasse por ele, a fim de que fosse libertado da ilusão.



[11,17] Lembrei-me deste acontecimento para demonstrar a que ponto de inconsciência este demônio consegue levar o homem.



[11,19] Aquele que quiser combater à perfeição e conquistar a coroa da justiça deve se esforçar por todos os meios para vencer esta besta multiforme, tendo sempre em mente as palavras de Davi: “O Senhor reduzirá a pó os ossos dos que seduzem os homens[69]”. Que ele não faça nada pelo desejo de ser louvado pelos homens, mas busque seu salário apenas diante de Deus e, sempre rejeitando os pensamentos bajuladores que surgem em seu coração, desdenhe de si mesmo em presença de Deus. Assim ele poderá, com a graça de Deus, ser libertado do espírito da vanglória.





Do orgulho



8. [12,1] Nosso oitavo combate será contra o espírito do orgulho. Ele é mais terrível e mais cruel do que todos os precedentes, atacando sobretudo os perfeitos e esforçando-se por derrubar aqueles que estão quase alcançando o cume das virtudes.



[12,3] Tal como uma doença infecciosa e fatal que destrói não um membro mas o corpo inteiro, também o orgulho não destrói uma parte, mas a alma inteira. Cada um dos outros vícios, mesmo perturbando a alma, atacam apenas a virtude que lhes é oposta tentando vencê-la; eles não visam nem perturbam a alma como um todo. Somente o vício do orgulho a obscurece totalmente e a leva à ruína completa. Para melhor captar o que quero dizer lembremos que a gula se contrapõe à temperança, a prostituição à castidade, a avareza ao despojamento, a cólera à mansidão, e as demais espécies de malícias às suas virtudes contrárias. Mas a malícia do orgulho, quando se apodera da infeliz alma, como o mais feroz dos tiranos que toma uma grande cidade elevada, a destrói inteiramente e a arrasa até as suas fundações.



[12,4] Testemunho disto é este anjo caído do céu por seu orgulho: ele, que havia sido criado por Deus e dotado de toda a virtude e sabedoria, não quis atribuir a graça ao Senhor, mas à sua própria natureza. Por isso ele se considerou igual a Deus. É esta pretensão que o Profeta reprova quando declara: “Você disse em seu coração: ‘Eu me sentarei sobre uma montanha elevada, colocarei meu trono sobre as nuvens e serei semelhante ao Altíssimo’. Mas você é um homem, não um Deus.[70]” Outro profeta disse: “Porque você se glorifica no mal?[71]”, e o resto do Salmo: “Você está o dia todo planejando ciladas; sua língua é navalha afiada, autora de fraudes. Você prefere o mal, e não o bem, a mentira, e não a franqueza. Você gosta de palavras corrosivas, ó língua fraudulenta. Por isso Deus destruirá você para sempre, o abaterá e o varrerá da sua tenda; arrancará suas raízes do solo fértil. Os justos verão isso e temerão, e rirão à custa dele, dizendo: Eis o homem que não colocou Deus como sua fortaleza. Confiou em sua grande riqueza e se fortaleceu com ciladas![72]



[12,9] Sabendo disso, enchamo-nos de temor e com toda vigilância guardemos nosso coração isento do espírito fatal do orgulho, repetindo-nos sempre as palavras do Apóstolo, quando houvermos adquirido esta virtude: “Não eu, mas a graça de Deus em mim[73]”, e também as palavras do Senhor: “Sem mim vocês nada podem[74]”, assim como as do Profeta: “Se o Senhor não constrói a casa, em vão trabalham os construtores[75]”, e: “Isto não depende da vontade nem do esforço do homem, mas da misericórdia de Deus[76]”.



[12,10] Com efeito, qualquer que seja o fervor de seu zelo e o ardor de seu desejo, aquele que está ligado à carne e ao sangue não poderá atingir a perfeição a não ser pela misericórdia e a graça de Cristo. Como diz são Tiago, “todo dom excelente vem do alto[77]”, e o apóstolo Paulo: “O que você possui que não tenha recebido? E se você recebeu, porque glorificar-se como se não tivesse recebido[78]”, e vangloriar-se dos dons de outro como se fossem seus?



[12,11] Que a salvação nos chega pela graça e a misericórdia de Deus[79], é testemunha este lutador que não recebeu o reino dos céus como recompensa pela virtude, mas pela graça e misericórdia de Deus.



[Cf. 12,31-33] Sabendo disso, nossos Pais nos transmitiram este ditame, de que não é possível atingir a perfeição da virtude de outro modo que não a humildade, a qual decorre naturalmente da fé, do temor a Deus, da doçura e do total despojamento. Obtém-se assim a caridade perfeita pela graça e a bondade de nosso Senhor Jesus Cristo, glória lhe seja dada por todos os séculos. Amém.








































































DO MESMO CASSIANO AO HIGOUMENO LEÔNCIO                              DISCURSO CHEIO DE BENEFÍCIO ESPIRITUAL                             SOBRE OS PADRES DE SCETA E O DISCERNIMENTO





[Pref.] Decidi cumprir agora com a promessa feita ao bem-aventurado bispo Castor a respeito da vida dos santos Padres e de seus ensinamentos, que já quitei parcialmente quando lhe escrevi e enviei, ó santo Leôncio, alguma coisa quanto à forma de vida cenobítica e os oito principais pensamentos viciosos. Tendo notícia de que este bem-aventurado pontífice nos deixou para ir-se a Cristo, pensei em endereçar-lhe, a você que herdou sua virtude e os cuidados de seu mosteiro, o restante de meu relato.



[1,1] Nós nos dirigimos ao deserto de Sceta aonde se encontravam os Padres mais renomados, eu e o santo abade Germano, a quem me ligava um amizade vinda desde a escola, a milícia e a vida monástica. Lá encontramos o abade Moisés, homem santo, que se distinguia não apenas pelas virtudes ascéticas, mas também pela contemplação, Nós lhe pedimos com lágrimas um sermão edificante por meio do qual pudéssemos atingir a perfeição. Depois de muitas preces, ele disse:



[1,2] “Meus filhos, todas as virtudes e ocupações têm um só objetivo: aqueles que mantêm os olhos fixos neste objetivo, em tudo conformando-se a ele, obterão o fim desejado. O trabalhador, por exemplo, suportando tanto o calor do sol como o frio do inverno, trabalha a terra com zelo; ele quer desembaraçar a terra dos espinheiros e das ervas daninhas, mas o fim que ele persegue é a colheita dos frutos. Da mesma forma, aquele que se dedica ao comércio, enfrentando os perigos marítimos e terrestres, dedica-se com ardor aos seus negócios, tendo em vista o ganho que obterá; o fim, para ele, será usufruir deste ganho. E também o soldado não teme nem os perigos do combate nem as misérias do exílio, tendo por objetivo subir na carreira impulsionado por sua coragem; seu fim são as honras que receberá.”



Também nossa profissão tem seu objetivo e seu fim específico, pelo qual nós suportamos voluntariamente todos os trabalhos e fadigas. É por isso que a fome dos jejuns não nos cansa; a fadiga das vigílias se torna um prazer; a leitura e a meditação das Escrituras são feitas de bom coração. As penas do trabalho, a obediência, a privação de todas as coisas terrestres e a vida neste deserto são facilmente assumidas. Vocês mesmos, desprezaram pátria, família e todos os prazeres do mundo para partir para longe e vir até nós que não passamos de rústicos e ignorantes. Digam-me: qual é o seu objetivo? Que fim vocês perseguem ao fazer isto?



[1,3] Nós lhe respondemos: “Pelo reino dos céus”.



[1,4] Então o abade Moisés falou: “Muito bem, vocês me indicaram o fim. Mas o objetivo que devemos ter em vista, sem nos afastarmos da via reta, para obter o reino dos céus, isto vocês não disseram”. Depois que confessamos nossa ignorância, o ancião retomou a palavra:



“O fim da nossa profissão é, realmente, como vocês disseram, o reino de Deus; mas o objetivo, é a pureza do coração, sem a qual é impossível alcançar este fim. Então, que nosso intelecto esteja sempre orientado para este objetivo. Mesmo que aconteça às vezes do coração se afastar da via direita, é preciso reconduzi-lo imediatamente, nos orientando para este objetivo por meio de uma regra.”



[1,5] Sabedor disto, o bem-aventurado apóstolo Paulo disse: “esquecendo-me do que fica para trás avanço para o que está na frente. Lanço-me em direção à meta, em vista do prêmio do alto, que Deus nos chama a receber em Jesus Cristo[80]”. É em vista deste objetivo que devemos, também nós, tudo fazer. É em vista deste objetivo que desdenhamos tudo, pátria, família, riquezas e o mundo inteiro, a fim de adquirir a pureza do coração. E, se esquecermos este objetivo, é inevitável que, caminhando nas trevas e deixando a via reta, façamos inúmeras voltas e desvios.



[1,6] É o que aconteceu a muitos que, no começo de sua renúncia, desprezaram a riqueza, os bens e o mundo inteiro, mas se deixavam tomar de cólera e furor por uma foice, uma agulha, uma pena ou um livro. Eles não precisariam passar por isso, se se lembrassem do objetivo pelo qual desprezaram aquelas coisas. É de fato por amor ao próximo que desprezamos a riqueza, para não entrar em querelas a respeito e perdermos a caridade dando lugar à cólera. Então, se por bagatelas manifestamos irritação contra um irmão, afastamo-nos do objetivo e não tiramos nenhum benefício de nossa renúncia. É por isso que o Apóstolo dizia: “Mesmo que eu atire meu corpo ao fogo, se não for pelo amor, isto de nada servirá[81]”. Aprendemos assim que não se atinge a perfeição de uma só vez pelo despojamento e pela renúncia às coisas, mas pelo crescimento do amor, cujas características o Apóstolo descreve: “O amor, diz ele, não tem inveja, não se enche de orgulho, não se irrita, não denigre, não faz nada que seja frívolo, jamais pensa o mal[82]”. Tudo isto assegura a pureza do coração.



[1,7] É por ela que tudo deve ser feito: desprezar os bens terrestres, sofrer com facilidade os jejuns, dedicar-se à leitura e à salmódia. Não quer dizer que a negligenciemos, se, por qualquer necessidade ou por algum assunto de Deus, sejamos impedidos de fazer o jejum e a leitura habitual. Porque menos se ganha com o jejum do que se perde com a cólera, e o benefício de uma leitura não iguala o dano produzido se desprezarmos ou contristarmos nossos irmãos. Com efeito, como eu disse, nem os jejuns, nem as vigílias, nem a meditação das Escrituras, nem o despojamento das riquezas, nem a renúncia ao mundo constituem a perfeição, mas instrumentos da perfeição. E como a perfeição não se encontra nestas práticas, mas vem por meio delas, é em vão que glorificamos o jejum, a vigília, a pobreza e a leitura das Escrituras se não observamos o amor a Deus e ao próximo. Pois quem tem amor tem Deus em si, e seu intelecto estará sempre com Deus.



[1,12] Diante dessas palavras, Germano disse: “Que homem, ligado a esta carne, pode ter o intelecto sempre em Deus, sem jamais pensar em outra coisa? Não existem doentes a visitar? Hóspedes a receber? E o trabalho manual e as outras necessidades que são indispensáveis e que o corpo exige? Finalmente, como pode a razão do homem ver sempre a este Deus invisível e incompreensível e nunca se afastar dele?”



[1,13] Moisés respondeu: “Ver sempre a Deus e jamais afastar-se dele, da maneira como você diz, sim, isto é impossível ao homem revestido de carne e ligado à fragilidade. Mas de uma outra maneira, é possível ver a Deus.”



[1,15] Com efeito, a contemplação de Deus pode ser entendida e encarada de muitas maneiras. Pois Deus não pode ser conhecido apenas em sua essência bem-aventurada e incompreensível, o que está reservado aos santos do século futuro, mas ele pode ser conhecido também a partir da grandeza e da beleza de suas criaturas, de seu governo e de sua providência que se exercem a cada dia, de sua justiça e de suas maravilhas que ele revela aos santos de geração em geração. Quando pensamos na imensidão de seu poder e na continuidade de seu olhar ao qual não podem se esconder os segredos do coração nem nenhum outro, como o coração cheio de temor, nós o admiramos e adoramos. Quando imaginamos que ele conhece o número de gotas de água e de grãos de areia do mar[83], e dos astros no céu, ficamos estupefatos diante da grandeza de sua natureza e de sua sabedoria. Quando refletimos em sua sabedoria inefável e indescritível, na bondade e na paciência incansável com que ele suporta as faltas sem número dos pecadores, nós lhe rendemos graças. Quando pensamos no grande amor que ele nos demonstra, sem nenhum mérito de nossa parte, ao se fazer homem, ele que era Deus, para nos salvar de nossa perdição, somos levados a aspirar por ele. Quando consideramos que após termos vencido em nós nosso adversário o diabo, como prêmio pelo simples assentimento de nossa boa vontade, ele nos gratifica com a vida eterna, nós nos prosternamos diante dele. E existem ainda inumeráveis considerações que nascem em nós na medida de nossa conduta e conforme o grau de nossa pureza, pelas quais Deus pode ser visto e conhecido.



[1,16] Então Germano colocou uma nova questão: “Como é possível que frequentemente, contra nossa vontade, muitas idéias e maus pensamentos nos assaltem e nos enganem quase sem que percebamos, introduzindo-se em nós discreta e furtivamente, de tal sorte que é muito difícil, não apenas impedir a sua entrada, mas até reconhecê-los? Também queremos saber se é possível que nosso pensamento seja completamente libertado e não se perturbe mais?”



[1,17] “É impossível, respondeu Moisés, que o pensamento não seja perturbado por tais idéias, mas é permitido a qualquer um acolhê-los e deter-se neles ou rejeitá-los. Pois sua chegada não depende de nós, mas está em noso poder afastá-los, e a retificação de nosso pensamento dependem de nosa vontade e de nosso zelo. Se meditarmos atenta e continuamente na lei de Deus, se nos dedicarmos ao canto dos salmos e dos hinos, se não cessarmos de praticar os jejuns e as vigílias, se nos lembrarmos constantemente do reino dos céus, da geena de fogo e de todas as obras de Deus, os maus pensamentos cederão e não encontrarão lugar em nós. Mas se, ao contrário, nos dedicamos às coisas do mundo e às coisas carnais, se nos dedicamos a propósitos frívolos e inúteis, os baixos pensamentos se multiplicarão em nós.”



[1,18] Assim como um moinho de água não pode ser detido, mas está no poder do moleiro moer trigo ou cevada, também nosso pensamento, sendo móvel, não pode permanecer vazio de i déias, mas cabe a nós fornecer-lhe uma meditação espiritual ou uma ocupação carnal.



[1,23] O ancião, vendo-nos cheios de admiração e animados por um insaciável ardor por suas palavras, calou-se por um instante, depois retomou:



“Como sua sede me fez prolongar este discurso e mesmo assim vocês permanecem ávidos da doutrina da perfeição, eu vou lhes falar da excelência da virtude do discernimento que, dentre todas, é a cidadela e a rainha. E eu lhes mostrarei sua preeminência, sua grandeza e sua utilidade não apenas por palavras, mas pelos antigos oráculos dos Padres, com a graça do Senhor que inspira aqueles que falam segundo o mérito e o desejo dos que escutam.”



[2,1] De fato, a virtude do discernimento não é pequena, ao contrário, ela é contada entre os mais nobres carismas do Espírito Santo, do qual diz o Apóstolo: “A um é dada pelo Espírito uma palavra de sabedoria; a outro, uma palavra de ciência, segundo o mesmo Espírito; a um terceiro, a fé, no mesmo Espírito; a outro, o carisma das curas; a um quinto, o discernimento dos espíritos.[84]” Logo, após terminar a lista dos carismas, ele acrescenta: “Tudo isto é produzido por um só e mesmo Espírito[85]”.



Como vocês vêem, o dom do discernimento não é nem terrestre nem pequeno, mas um grande presente da graça divina. Se o monge não puser todos os seus esforços e seu zelo em obter e adquirir o discernimento seguro dos espíritos que lhe sobrevêm, segue-se forçosamente que, como alguém perdido na noite, não apenas ele cairá nos horríveis precipícios, mas estrebuchará até nos caminhos retos e planos.



[2,2] Isto me lembra quando, nos meus anos de juventude. Eu me encontrava na região de Tebaida, aonde vivia o bem-aventurado Antônio. Alguns anciãos, reunidos com ele, se perguntavam sobre qual seria a virtude mais perfeita, qual dentre todas poderia melhor proteger o monge ao abrigo das armadilhas e das ilusões do diabo. Cada qual emitia sua opinião, segundo a concepção de seu pensamento. Uns diziam ser o jejum e a vigília, pois, pela sua observação, o pensamento, tornado mais leve e puro, pode se aproximar de Deus mais facilmente. Outros pensavam ser o despojamento e o desprezo por todas as coisas pessoais, na medida em que o pensamento, liberado dos múltiplos laços das preocupações do mundo, pode se aproximar de Deus com mais comodidade. Outros ainda julgavam ser a virtude da esmola, porque o Senhor disse no Evangelho: “Venham, benditos de meu Pai, entrem na posse do reino que lhes foi reservado desde a origem do mundo. Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer[86]”, etc.



É assim que cada um dava sua opinião sobre as diferentes virtudes pelas quais o homem poderia se aproximar cada vez mais de Deus, e a maior parte da noite passou-se nesta pesquisa. O último de todos, o bem-aventurado Antônio, tomou a palavra: “Todas essas práticas de que vocês falaram são certamente necessárias e úteis aos que buscam a Deus e aspiram alcançá-lo. Mas não me parece que devamos dar o primeiro prêmio a essas virtudes, pois todos conhecemos muitos que se extenuaram em jejuns e vigílias, que se retiraram para o deserto, que levaram o despojamento ao ponto de não reservarem sequer o alimento cotidiano, que praticaram a esmola até distribuir tudo o que tinham e, depois disso tudo, caíram miseravelmente da virtude e escorregaram para o mal. O que os fez se desviarem da via reta?  Não foi outra coisa, segundo meu sentimento e minha opinião, do que a falta de discernimento. Pois é o discernimento que ensina o homem a caminhar sobre a via real mantendo-se à distância de dois excessos: ele impede de se perder à direita por uma temperança exagerada e de se deixar levar à esquerda pela negligência e o relaxamento.”



O discernimento é, com efeito, como que o olho e a lâmpada da alma, segundo estas palavras do Evangelho: “A lâmpada do corpo é o olho. Se seu olho for puro, todo seu corpo será luminoso; mas se seu olho é tenebroso, todo seu corpo será tenebroso[87]”. O discernimento examina todas as idéias e ações do homem, rejeita e dispensa o que é mau e o que desagrada a Deus, protegendo-nos assim da perdição.



[2,3] Podemos também aprender essas coisas pelos relatos das santas Escrituras. Pois Saul, o primeiro a receber a realeza em Israel, não possuía o olhar do discernimento, e por isso seu pensamento estava obscurecido e não conseguia discernir se era mais agradável a Deus oferecer um sacrifício ou obedecer ao mandamento do profeta Samuel. Quando ele pensava estar honrando a Deus, na verdade ofendeu-o e perdeu a realeza[88].



É também o discernimento que o Apóstolo chama de “sol” quando diz: “Que o sol não se ponha sobre a sua cólera”. Podemos vê-lo também como o leme de nossas vidas, segundo o que está escrito: “Aqueles que não têm direção caem como as folhas[89]”. A Escritura também o designa como prudência, sem a qual nos é proibido fazer seja lá o que for, até mesmo beber o vinho espiritual que alegra o coração do homem[90], conforme as palavras: “Beba o vinho com prudência[91]”. E também é dito: “Uma cidadela com as muralhas derrubadas e sem defesa, assim é o homem que faz qualquer coisa sem prudência.[92]” No discernimento cresce a sabedoria, o intelecto e o juízo, sem os quais não podemos construir nossa moradia interior nem juntar as riquezas espirituais, conforme as palavras: “É pela sabedoria que uma casa se ergue e pelo intelecto que ela se torna firme, pelo juízo que seus cofres se enchem de riquezas.[93]” Ela é o alimento sólido dos homens feitos, cujo senso é exercitado pelo hábito de discernir o bem do mal[94]. Todos esses textos mostram claramente que, sem o carisma do discernimento, uma virtude não consegue se estabelecer nem permanecer firme até o fim, pois é o discernimento que engendra e protege todas as virtudes.



[2,5] Todos os Padres concordaram com esta opinião e este julgamento de Antônio. E podemos confirmar a sentença de santo Antônio por exemplos recentes acontecidos em nosso tempo. Vocês se lembram da miserável queda do velho Heron, que aconteceu a poucos dias debaixo de nosso olhos: de que maneira, pela ilusão do diabo, ele se atirou do alto de sua prática virtuosa para as goelas da morte. Nós nos lembramos, com efeito, que ele passou cinqüenta anos no deserto próximo daqui, vivendo numa grande austeridade e numa severa temperança, buscando e procurando mais do que todos os lugares mais desertos e solitários. E depois de tantas penas e lutas, tornado joguete do diabo, ele se deixou escorregar para o abismo e lançou num luto inconsolável todos os Padres e irmãos deste deserto. Ele não teria sofrido isto se tivesse observado a virtude do discernimento, ele que aprendera a não se fiar no seu próprio julgamento, mas no conselho dos Padres e dos irmãos. Pois foi seguindo seu próprio julgamento que ele prolongou seu jejum e seu isolamento até durante os festejos da santa Páscoa, não aceitando encontrar os Padres e os irmãos na igreja para comer com eles, pois seria constrangido a tomar sua parcela de legumes ou de algum outro alimento apresentado à mesa e assim pareceria ter renunciado a seu propósito e à sua regra. Por longo tempo separado dos demais por sua própria vontade, ele recebeu o anjo de Satanás e o venerou como se fosse um anjo de luz[95]. Este lhe ordenou que se atirasse no meio da noite dentro de um poço profundo para que soubesse pela própria experiência que ele daí por diante estava protegido de todos os perigos por sua grande virtude e seu perseverante trabalho por Deus. Não discernindo mais em seu pensamento o inspirador deste desígnio, com o espírito entenebrecido, ele se atirou em plena noite no poço. Pouco depois os irmãos se deram conta do acontecido e resgataram-no com muito trabalho, já semimorto. Dois dias depois ele expirou, deixando os irmãos e o abade Paphnúcio num luto inconsolável. Este, movido por sua grande bondade e lembrando-se dos numerosos trabalhos e de tantos anos que o ancião passara no deserto, não o separou da lembrança e da oferenda que fazemos para todos os defuntos, a fim de que ele não fosse contado entre os suicidas.



[2,6] E que dizer destes dois irmãos que habitavam para além do deserto de Tebaida, lá aonde o bem-aventurado Antônio havia residido, e que, levados pela falta de discernimento, decidiram-se a marchar para o interior do deserto, imenso e estéril, sem receber alimento dos homens, mas contentando-se apenas com aquilo que o Senhor lhes fornecesse milagrosamente? Perdidos no deserto e morrendo de fome, eles foram vistos de longe pelos Maziques. Este povo é o mais selvagem e cruel de todos quantos existem. Mas mudando, pela providência divina, sua selvageria e crueldade em benevolência, eles foram ao encontro dos irmãos com pães. Um deles, inspirado pelo discernimento, recebeu os pães com alegria e reconhecimento, dizendo para si mesmo que se homens tão cruéis e selvagens, que tinham prazer em derramar sangue, foram movidos pela compaixão diante de seu esgotamento e lhes ministraram alimento, isto só poderia ser por impulsão divina. Mas o outro, recusando o alimento oferecido por homens e permanecendo provado de discernimento, morreu de fome. Todos os dois, de início, haviam tomado uma decisão errônea, partindo de uma opinião irracional e funesta. Entretanto o primeiro, lembrando-se do discernimento, fez bem em renunciar ao seu propósito temerário e imprudente. O segundo, ao contrário, obstinado em sua tola presunção e em sua falta de discernimento, entregou-se à morte da qual Deus tentara desviá-lo.



[2,7] Que dizer ainda deste outro, que não nomearei porque vive ainda? Ele acolheu por inúmeras vezes o demônio como se fosse um anjo, recebendo dele revelações e vendo brilhar continuamente em sua cela a luz de uma lâmpada. Finalmente, ele recebeu do anjo a ordem de imolar a Deus em sacrifício seu filho que habitava com ele no mesmo mosteiro, para compartilhar do mérito de Abraão. Esta sugestão o iludiu de tal maneira que ele teria matado o próprio filho se este, vendo-o afiar seu cutelo de forma inusitada e preparar as cordas com as quais iria amarrá-lo como vítima, não tivesse assegurado sua salvação pela fuga.



[2,8] Para terminar contarei ainda a ilusão daquele monge da Mesopotâmia que praticava uma extrema temperança, recluso por anos a fio em sua cela, e que, finalmente, enganado por revelações e sonhos diabólicos que depois de anos de trabalho e virtudes que o haviam elevado acima de todos os monges da região, converteu-se ao judaísmo e se fez circuncidar. Para enganá-lo, o diabo lhe mostrou em diversas ocasiões verdadeiras visões, a fim de torná-lo mais disposto a crer nas falsidades que ele lhe iria apresentar. Ele lhe mostrou então, numa noite, de um lado o povo cristão com os apóstolos e os mártires como tenebrosos e cheios de vergonha, mergulhados na tristeza e no luto; e de outro lado o povo judeu, com Moisés e os profetas, irradiando uma luz deslumbrante e vivendo na alegria e na felicidade. O sedutor lhe propôs, caso quisesse partilhar da alegria e da beatitude do povo judeu, que se fizesse circuncidar. E assim iludido, o monge se dez circuncidar. É evidente que, de todos estes monges, nenhum teria sucumbido tão triste e miseravelmente à ilusão, se possuíssem o carisma do discernimento.



[2,9] Neste momento, Germano disse: “Tanto os exemplo recentes como as sentenças dos antigos Padres mostram suficientemente que o discernimento é a fonte, a raiz, a cabeça e a ligação de todas as virtudes. Mas como podemos adquiri-la, é o que queremos saber: como reconhecer o verdadeiro discernimento que vem de Deus daquele que é falso, enganador e diabólico?”



[2,10] Então o abade Moisés respondeu: “O verdadeiro discernimento só é dado, ao preço de uma verdadeira humildade, a quem revela aos Padres não apenas suas ações, mas também seus pensamentos, e que jamais confia em seu próprio senso, mas segue em tudo as palavras dos antigos, só considerando como bom o que foi aprovado por eles. Esta prática não só permite ao monge permanecer sem prejuízo no caminho reto através do verdadeiro discernimento, mas o protege ao abrigo de todas as armadilhas do diabo. De fato, é impossível a alguém que regrou sua vida sobre os conselhos e a opinião dos que o antecederam, cair na ilusão dos demônios. Pois mesmo antes de obter o carisma do discernimento, o fato de manifestar e confessar aos Padres os maus pensamentos, faz com que estes se consumam e percam toda a força. Assim como uma serpente que é levada das profundezas de seu antro tenebroso até a luz apressa-se em fugir e desaparecer, também os pensamentos perversos, postos à luz pelo excelente reconhecimento da confissão, apressam-se em se afastar do homem. A fim de que vocês aprendam mais facilmente esta virtude por meio de um exemplo, eu lhes contarei um fato que o próprio abade Serapião contava àqueles que o vinham ver, para colocá-los em guarda.”



[2,11] Eis o que ele dizia: Quando eu era jovem, eu morava com meu abade. Quando levantávamos da mesa após o repasto, por ação do demônio, eu roubava um pão para comê-lo depois, sem que o abade soubesse. Tendo feito isto por muito tempo, chegou um momento em que eu não mais dominava esta paixão; minha consciência me condenava, mas eu tinha vergonha de contar ao ancião. Por uma disposição da bondade de Deus, aconteceu de alguns irmãos virem ver o ancião para sua edificação e eles o interrogaram sobre seus pensamentos. O ancião lhes respondeu: Nada prejudica mais os monges, nada alegra mais os demônios, do que esconder os pensamentos dos pais espirituais. E ele lhes falou da temperança. Ao ouvir estas palavras, eu caí em mim e pensei que Deus havia revelado minhas faltas ao ancião; movido pela compunção, comecei a chorar e tirei da algibeira o pão que havia roubado conforme meu mau hábito. Atirando-me por terra, pedi perdão aos que me rodeavam e solicitei suas orações para não cair novamente no futuro. Então o ancião disse: “Sem que eu tivesse dito uma só palavra, sua confissão o libertou, e você estrangulou este demônio que o feria graças ao seu silêncio ao revelar os segredos de seu coração. Até o presente, você o fizera seu mestre, por não contrapor-se a ele nem denunciá-lo; agora ele não terá mais lugar em você, pois você o expulsou do seu coração em pleno dia.” Mal ele acabara de falar e a potência demoníaca apareceu como uma lâmpada de fogo saindo de meu peito e enchendo o ambiente com um odor infecto, de tal modo que os presentes acharam que o que queimava era uma porção de enxofre.



Então o ancião retomou a palavra: “Agora o Senhor demonstrou com este sinal a verdade das minhas palavras e da sua libertação”. Foi assim que a confissão expulsou de mim o vício da gulodice e esta ação diabólica, a tal ponto que nunca mais eu tive complacência para com este desejo.



Dessas palavras do abade Serapião, aprendemos que não iremos obter o carisma do discernimento senão fiando-nos não nos critérios de nosso próprio pensamento, mas no ensinamento e no exemplo dos Padres. Pois não existe caminho mais fácil para o diabo precipitar o monge no abismo do que persuadindo-o a rejeitar as lições dos Padres e a confiar em seu próprio julgamento e em sua vontade própria. Se considerarmos o exemplo das artes e das ciências humanas, vemos realmente que é impossível adquiri-las por nós mesmos, utilizando-nos apenas de nossas mãos, olhos e ouvidos: temos necessidade de um mestre e de uma regra. Que loucura, então, imaginar que não precisamos de mestre para a prender a arte espiritual, que é a mais difícil de todas! Ela é, com efeito, invisível, escondida e percebida apenas pela pureza do coração, e nesta arte o fracasso não conduz apenas a um prejuízo temporário, mas à perda da alma e à morte eterna.



[2,12] “Parece-me, disse Germano, que habitualmente, uma causa da vergonha e um pretexto a uma piedade nociva vêm do fato de que muitas vezes certos Padres que ouvem os pensamentos dos irmãos não apenas não os curam como ainda os condenam e os levam ao desespero, fato que aconteceu na Síria, como todos sabemos. Um irmão foi revelar seus pensamentos a um ancião de lá com toda a simplicidade e verdade, revelando sem falsa vergonha os segredos de seu coração; o ancião, ao ouvi-lo, começou a se indignar e a levantar-se contra ele, repreendendo-o por ter tido tais maus pensamentos, a tal ponto que o irmão, tendo ouvido tudo, deixou de manifestar seus pensamentos aos anciãos.”



[2,13] O abade Moisés respondeu então: “É bom, como eu disse, não esconder os pensamentos dos Padres, mas não a qualquer um. É preciso revelá-los a anciãos espirituais que tenham discernimento, não àqueles cujos cabelos embranqueceram com o tempo. Com efeito, muitos, iludidos pela idade e revelando seus pensamentos, caíram no desespero por causa da inexperiência dos que os ouviram.”



Havia, com efeito, um irmão muito fervoroso que era violentamente atormentado pelo demônio da prostituição. Ele foi procurar um ancião e lhe revelou seus pensamentos. Este, que era inexperiente, indignou-se ouvindo-o e o tratou como um miserável e indigno do hábito monástico por ter tido tais pensamentos. Ao ouvir estas coisas, o irmão caiu em desespero, e, abandonando sua cela, retornou ao mundo. Mas, pela providência divina, o abade Apolo, o mais experiente dos anciãos, o encontrou e, vendo-o perturbado e abatido, perguntou-lhe: “Meu filho, qual é a causa de tamanha tristeza?” Primeiro o irmão nada respondeu, tal era seu desencorajamento. Longamente instado pelo ancião, ele acabou por dizer o que era: “Certos pensamentos me atormentavam freqüentemente e eu fui confessá-los a tal ancião, e pelo que ele me disse, não tenho mais esperança de salvação. Desencorajado, preferi voltar para o mundo.” Ao ouvir isto, a padre Apolo o consolou e animou, dizendo: “Não fique transtornado, meu filho, nem perca a esperança. Pois até eu, com minha idade e meus cabelos grisalhos, continuo muito atormentado por esses pensamentos. Não se inquiete com esta febre, não será tanto o esforço humano que irá curá-la, mas a bondade de Deus. Dê-me apenas um dia e retorne para sua cela.” E assim fez o irmão.



Depois de deixá-lo, o abade Apolo foi até a cela do ancião a quem o irmão havia feito sua confissão e, ficando do lado de fora, pediu com lágrimas a Deus: “Senhor que envia as tentações para o benefício de cada um, faça passar o combate daquele irmão para este velho, para que ele aprenda com a experiência, em sua velhice, aquilo que ele não aprendeu em tantos anos de vida: a ser compassivo com aqueles que têm contra quê lutar.”



Mal ele terminara sua prece e viu um etíope hediondo perto da cela, lançando raios contra o velho. Tendo sido atingido, logo ele começou a caminhar apressadamente em todas as direções como um homem ébrio. Incapaz de permanecer no lugar, ele deixou sua cela e dirigiu-se para o mundo pelo mesmo caminho do irmão. Vendo o que acontecia, o abade Apolo foi ao seu encontro e lhe disse: “Aonde vai você assim? Qual é a causa do transtorno que o tomou?” Dando-se conta de que seu estado era conhecido pelo santo, ele se encheu de vergonha e não dizia nada. Então o abade Apolo lhe disse: “Volte para sua cela e daqui em diante reconheça a sua fraqueza; reconheça que se até o presente você foi ignorado ou desdenhado pelo diabo, é porque você não era digno de lutar contra ele. Mais do que isto: você não conseguiu sustentar sequer um dia seu assalto. Isto aconteceu porque, ao receber um jovem irmão atacado pelo inimigo comum, ao invés de alentá-lo para o combate, você o atirou ao desespero sem levar em conta a consideração do Sábio: “Liberte os condenados à morte e resgate os que são levados ao suplício[96]”. Você tampouco se lembrou das palavras do nosso Salvador, de “não esmagar a cana quebrada, nem apagar o pavio que ainda fumega[97]”. Pois ninguém é capaz de sustentar os ataques nem extinguir os ardores da natureza, se a graça de Deus não o proteger da fraqueza humana. Convencidos portanto da providência salutar que vela por nós, unamos nossas orações a Deus a fim de que ele o libere do castigo que lhe foi enviado. Pois “aquele que aflige é o mesmo que restaura, ele fere mas suas mãos curam[98]”; “ele rebaixa e ele ergue; ele faz morrer e faz viver; ele conduz aos infernos e de lá resgata[99]”. Ao pronunciar estas palavras, ele imediatamente liberou o ancião da combate que deveria sofrer, e o exortou a pedir a Deus uma língua que soubesse dizer a palavra certa no momento oportuno.



De tudo isto, aprendemos que não existe outro caminho de salvação que o de revelar seus pensamentos aos Padres que têm mais discernimento e deles receber a regra da virtude, antes de seguir seu próprio julgamento e seu próprio senso. E se acontecer de, por acaso, cairmos nas mãos de um ancião demasiado simples e sem grande experiência, esta não é uma razão para nos abstermos de revelar os pensamentos aos mais experientes dentre os Padres e de desprezar a tradição dos antigos. Pois não foi de sua própria iniciativa, mas foi de Deus e das santas Escrituras que eles transmitiram aos que vieram depois deles a prática de interrogar os antecessores.



[2,14] Podemos aprender isto a partir de muitas outras passagens da Escritura inspirada, em especial da história de Samuel[100]. Consagrado a Deus por sua mãe desde a sua infância e admitido a conversar com Deus, Samuel jamais confiava em seu próprio julgamento, mas, chamado por Deus uma e duas vezes, ele correu ao velho Eli e com as instruções deste pode responder a Deus adequadamente. Aquele a quem Deus considerara digno de ser chamado por ele, Deus também quis que fosse dirigido pelo exemplo e as ordens do ancião, a fim de que fosse conduzido à humildade.



[2,15] E Cristo, que havia chamado Paulo e falado com ele, poderia ter-lhe aberto os olhos logo e lhe mostrado o caminho da salvação. Mas ele o enviou a Ananias e lhe ordenou expressamente que aprendesse com ele o caminho da verdade: “Levante-se, entre na cidade e lá lhe será dito o que fazer[101]”. Assim ele nos ensina a nos deixarmos guiar pelos que nos antecederam, para que não sejam mal interpretadas as coisas ditas de Paulo e para que elas não se tornem um exemplo de presunção para seus descendentes, cada qual pretendendo ser conduzido diretamente à verdade por Deus, quase como são Paulo, e não por intermédio dos Padres. Vemos isto claramente, não só pelo que foi dito, mas pelo que o próprio Apóstolo escreve: “voltei a Jerusalém  (...) Expus a eles o Evangelho que anuncio aos pagãos, mas o expus reservadamente às pessoas mais notáveis, para não me arriscar a correr ou ter corrido em vão[102]”. E no entanto a graça do Espírito Santo caminhava ao seu lado, pelo poder dos milagres que ele fazia.



Quem será assim tão orgulhoso e tão pretensioso para ousar se fiar em seu próprio senso e julgamento, quando este vaso de eleição atesta ter tido necessidade do conselho daqueles que eram apóstolos antes dele? Fica claramente provado com isso que o Senhor não revela a ninguém o caminho da perfeição se não for por meio dos Padres espirituais que marcham sobre a via. É como foi dito pelo Profeta: “Interrogue seu pai, e ele lhe ensinará; aos anciãos, e eles lhe dirão.[103]



[2,16] Esforcemo-nos, portanto, com todas as nossas forças e todo nosso ardor para adquirirmos para nós o carisma do discernimento, que poderá nos guardar imunes aos dois excessos opostos. De fato, como dizem os Padres, tanto num como noutro sentido, os excessos são prejudiciais: tanto o jejum excessivo como a saciedade do ventre; as vigílias imoderadas e o exagero no sono, e assim todos os demais excessos. Nós conhecemos alguns que não foram vencidos pela gula, mas que tombaram em decorrência de jejuns exagerados, tendo então sido arrastados à mesma gula devido à fraqueza causada pelo jejum excessivo.



[2,17] Eu recordo também, de minha parte, de ter praticado tamanha abstinência que sequer me lembrava mais do desejo de comer, e depois de ter passado dois ou três dias sem comer, nem ao menos pensar em comida, a menos que algum outro monge me trouxesse. Aconteceu-me ainda que, por instigação do diabo, o sono se foi dos meus olhos, a ponto de que por noites a fio tive que suplicar ao Senhor que me concedesse um pouco de sono. Assim foi que eu me expus a um perigo muito maior pela privação excessiva de alimento e sono do que pela gula e o excesso de sono.



Com estes ensinamentos e muitos outros, o abade Moisés nos encheu de alegria, de modo que pudemos glorificar ao Senhor que deu tamanha sabedoria àqueles que temem. A ele a honra e o poder pelos séculos dos séculos. Amém.



[1]              Cf. Instituições cenobíticas, 5-12; P.G. 28, 872-905.
[2]                Cf. Provérbios XXIV, 15.
[3]                Ezequiel XVI, 49.
[4]                Romanos XIII, 14.
[5]                Cf. Provérbios IV, 23.
[6]                Mateus XV, 19.
[7]                Mateus XXIII, 26.
[8]                Cf. 2 Timóteo II, 5; IV, 7.
[9]               Filipenses II,I 20.
[10]               Mateus V, 28.
[11]               Provérbios IV, 23.
[12]               Gênesis III, 15.
[13]              Salmo C, 8.
[14]               Cf. Mateus XV, 19.
[15]               Cf. Salmo CXXXVI, 9.
[16]               Esta citação não se encontra tal e qual nas obras de são Basílio. Encontramos algo próximo (“Eu escapei ao ato da fornicação, mas manchei minha virgindade nos pensamentos de meu coração”) na Carta XVII, 4; porém, esta carta parece não ser de são Basílio, mas de são Nilo.
[17]               Hebreus XII, 14.
[18]               Hebreus XII, 16.
[19]               Cf. Daniel III, 19.49 ss.
[20]               Cf. 1 Timóteo VI, 10.
[21]               Cf. Filipenses III, 19.
[22]               1 Timóteo VI, 10.
[23]               Colossenses III, 5.
[24]             Cf. 2 Reis V, 27.
[25]               Cf. Mateus XXVII, 5.
[26]               Cf. Atos V, 5 e 10.
[27]               Deuteronômio XX, 8.
[28]               Atos XX, 35.
[29]               Mateus XIX, 21.
[30]               2 Coríntios XI, 27.
[31]               2 Timóteo IV, 7.
[32]               Cf. Atos XXII, 25-28.
[33]              Atos IV, 34-35.
[34]               Romanos XV, 25-27.
[35]             2 Coríntios XI, 9.
[36]              Filipenses IV, 15-16.
[37]               Esta sentença, com a passagem das Instituições que a contém, é apresentada nas Sentenças dos Padres do deserto, Cassiano 7.
[38]               Cf. Atos V, 5 ss.
[39]               Cf. 2 Reis V, 27.
[40]               Cf. Mateus XXVII, 5.
[41]               Lucas XII, 20.
[42]               Salmo VI, 8.
[43]               Eclesiastes VII, 9.
[44]               Tiago I, 20.
[45]               Provérbios XI, 25.
[46]               Efésios IV, 31.
[47]               Lucas IV, 23.
[48]               Mateus VII, 3-5.
[49]               Salmo IV, 5.
[50]               Salmo IV, 5.
[51]               Efésios IV, 26.
[52]               Malaquias IV, 2.
[53]               Cf. Mateus V, 23-24.
[54]               Cf. 1 Tessalonicenses V. 17.
[55]               Cf. 1 Timóteo II, 8.
[56]               Levítico XIX, 17.
[57]             Provérbios XII, 28.
[58]               Cf. 1 João III, 15.
[59]               Isaías LXVI, 18.
[60]               Romanos II, 15-16.
[61]               Mateus V, 22.
[62]               V, 23.
[63]               Cf. Gênesis IX, 4-16.
[64]               2 Coríntios VII, 10.
[65]               Existe aqui uma lacuna no texto da P.G. 28, 897D.
[66]               Gálatas V, 22-23.
[67]             2 Tessalonicenses III, 6-12.
[68]             Aqui retoma o texto após a lacuna em P.G. 28,897D.
[69]               Salmo LII, 5.
[70]              Isaías XIV, 13.
[71]              Salmo LI, 3.
[72]               Salmo LI, 4-9.
[73]               1 Coríntios XV, 10.
[74]               João XV, 5.
[75]              Salmo CXXVI, 1.
[76]               Romanos IX, 16.
[77]               Tiago I, 17.
[78]               1 Coríntios IV, 7.
[79]               Cf. Lucas XXIII, 43.
[80]               Filipenses III, 13-14.
[81]               1 Coríntios XIII, 3.
[82]               1 Coríntios XIII, 4-5.
[83]               , XXXVI, 27.
[84]               1 Coríntios XII, 8-9.
[85]               1 Coríntios XII, 10.
[86]               Mateus XXV, 34-35.
[87]               Mateus VI, 22-23.
[88]               Cf. 1 Samuel XV, 17-23.
[89]               Provérbios XI, 14.
[90]               Cf. Salmo CIII, 15.
[91]               Provérbios XXXI, 3.
[92]               Provérbios XXV, 28.
[93]               Provérbios XXIV, 3-4.
[94]               Hebreus V, 14.
[95]               Cf. 2 Coríntios XI, 14.
[96]               Provérbios XXIV, 11.
[97]               Mateus XII, 20.
[98]               Isaías l, 4.
[99]               1 Samuel II, 6-7.
[100]            Cf. 1 Samuel, 3.
[101]            Atos IX, 6.
[102]            Gálatas II, 2.
[103]            Deuteronômio XXXII, 7.

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